4 de agosto de 2016

Acenda a sua luz, lute a sua luta...

Veja... Escute... Observe os sinais...
Ouça os rumores, sinta as dores
Um mundo inteiro está morrendo
Não é esse o tempo do fim?
A escuridão anunciada pelos profetas?
A fé agoniza, o amor estertora
A esperança foge desesperada...
Onde está a misericórdia?
Onde se escondeu a compaixão?
*
Em todo lugar
Uma crise se anuncia
Em todos os jornais
Vemos e ouvimos dizer
Alguma coisa sólida
Desmorona, some 
E se perde no ar
Em todo lugar – toda hora
A beleza sofre, agoniza e morre
Mas o mundo, esse rio de fogo
Que consome e seca a si mesmo
Inconsciente da própria miséria
Não quer nem saber
Chavões, rimas de um crime em andamento
Pós-modernidade, morte das coisas velhas
Revolução eletrônica, supremacia da ciência
Geração de maquinas espirituais
Morte da alma, sufocamento do espírito
Construção de um admirável mundo novo
Mil vezes, já escutamos essa história
O velho precisa morrer
Para o novo nascer...
Sim, escute os rumores do fim
Sinta a terra tremer sob os nossos pés
Grita o profeta do novo mundo
Que anuncia saúde, felicidade
Prosperidade, longevidade e paz eterna:
Ei, vejam! Irmãos, este é o melhor dos mundos!
Obra nossa, imagem e semelhança
Dos nossos vazios, cobiças, fobias
Taras, neuroses, medos e caos interior
Sim, este é o tempo da morte da fé
E do esfriamento do amor
O tempo vazio e sem sentido
Que há muito tempo
Fui anunciado pelos profetas
Este é o tempo em que urge
Ressuscitar o amor, a fé e a esperança
Este é o tempo de escuridão e dor
Que convoca, implora e convida
Todos os homens e todas as mulheres de boa vontade
A acenderam alguma luz no meio da escuridão
Sim, este é o tempo em que cada um é chamado
A ser um candeeiro em cima de uma montanha...
Ouça os rumores, ouça os gritos, sinta a dor...
Acenda a sua luz, lute a sua luta...
_VBMello

Dentro e fora da nossa alma...

Numa época de desafios sem fim
Dentro e fora da nossa alma
Num mundo de coisas
Que assombram e estarrecem
Aborrecem e estremecem 
Há tantos caminhos para a fuga
Tantos esconderijos para o medo
Há tantas coisas sem explicação
Tanta dor e lágrima reprimida
Tanta ameaça, tanta trapaça
Que – para sobreviver
Para não enlouquecer
Fingimos não ver
O nosso coração
Conhece e sabe
A nossa alma
Sofre e sente
Sabe, mas finge não saber
Sentimos, mas fingimos não sentir
*
Esgotados pela ansiedade
Esmagados pela angústia
Açoitados pelo desespero
É tão conveniente
Não saber
É tão fácil
Lavar as mãos
É tão fácil
Virar as costas
É tão fácil correr
Fingir de fraco
Abdicar da luta e morrer
É tão fácil 
Fingir que não quer viver
Na tentação do desejo de não saber
É tão fácil 
Se perder e morrer
É tão fácil 
Correr e gritar: Não quero nem saber!
É tão fácil dormir e nunca mais acordar
É tão fácil, sem pensar 
Seguir a sina, o caminho
O desgosto e o destino
De um homem medroso e covarde...
_VBMello

6 de abril de 2016

A nossa sina...


Nosso mundo, nossa vaidade, nossa ilusão, nossa fantasia, nossa escuridão, nossa sina... Assim é, assim sempre foi, assim sempre será... Amarrados pelas mentiras que os nossos pais nos contaram, e acorrentados pelas mentiras que nós mesmos, que coisa estranha, como se fosse fácil enganar o próprio coração, contamos para nós mesmos... Entre a glória e a escória, seguimos os passos dessa estranha humanidade desumana, tropeçando aqui e ali nos abismos desse mundo que jaz na maldade e se afoga na lama das suas próprias mentiras.


Ah, Deus... Num mundo de faces desgastadas e cansadas, que insiste em usar máscaras de triunfalismo e felicidade, cheio de almas em declínio, indiferentes habitantes ocos de uma ilusão em constante erosão, algumas coisas, por estranho que pareça, nunca ganham nitidez, por mais que a luz brilhe...


Temos olhos, mas não enxergamos. Temos ouvidos, mas não escutamos... É a nossa sina. É a nossa sorte... Vivemos um tempo difícil para quem tem coragem de olhar a realidade cara a cara... Melhor virar a cara, melhor fingir de surdo.


Então, inconscientes dessa nossa louca e fingida cegueira, perdidos nas nossas ilusões, reclusos, talvez escravos, de uma verdade que inventamos para tentar justificar a nossa degradante situação, ou convencidos por algum ser maligno, que sutilmente toma posse e preenche os abismos do nosso coração, e que dia a dia, nos estimula mais e mais a fome de vaidade e disfarça a nossa surdez e o nosso pecado, inventamos uma luz artificial para tudo, e mascaramos de luz a nossa imensa e fria escuridão...


Com as cores da nossa ilusão
Pintamos a nossa escuridão
Contornamos o incontornável
Assinamos a ilusão com o nosso nome
Fingindo que somos seres de luz
Maquiamos o caos
Fingimos uma felicidade
Que não conhecemos
Sob uma montanha de comprimidos
Escondemos a ansiedade e sufocamos a depressão
Viramos a cara, andamos noutra direção, e lavamos as mãos
Oh, horror... Todo dia, ratificamos perante o céu, a nossa perdição... Ainda temos uma alma?


Mas a nossa imitação de luz 
Não chega para iluminar
As profundezas da nossa alma
Nem sequer serve para
Aquecer a nossa alma
Menos ainda, para incendiar
O nosso pobre coração...


Na face, coisa estranha, fingimos verão, mas na alma - Quem pode dizer que não? - Sofremos as dores dos dias de inverno e o medo das noites de escuridão...


Longe de Deus / longe do céu
Longe da razão / longe de tudo
Criando paraísos artificiais
Destilando veneno contra tudo
Demonizando tudo que é diferente
Fingindo um amanhã que nunca virá
Escondendo uma carta na manga
Mas a nossa carta na manga
O nosso ferrão
O nosso mundo 
O nosso veneno
Sempre, de um modo ou de outro
Alcança sempre o nosso próprio coração
E a nossa ideia de vida nova
A oportunidade que esperamos
Para virar a mesa e recomeçar
Deus sabe... Deus sempre soube
É só mais uma ilusão entre tantas ilusões...


E apesar de tudo, e de todas as máscaras inúteis que forjamos para esconder a nossa triste condição, apesar de todos e paraísos artificiais que inventamos para alimentar as fomes da nossa alma, permanece ainda, e não poderia ser diferente, por tempo indeterminado, a nossa prisão, as nossas algemas e nossa tosca ilusão de fé, amor e liberdade...
_VBMello


Sem rumo...











Há tanta tristeza no ar
Tanto mal-estar
Escapa-nos, todavia
A causa de tanta dor
Sofremos, e isso é tudo
Sofremos por hábito
Sofremos sem fazer perguntas
Nossos pais nos iniciaram nessa via dolorosa
*
Sob a sombra de uma árvore
Em profunda luta interior
Alguém gritou um dogma: Viver é sofrer!
Aconteceu um parto
Mais uma gravidez chegou ao fim
Nasceu mais uma religião
Começou mais uma escravidão
Declinou ainda um pouco mais, a razão
Sob o sol e sob a chuva, estômagos roncando
A terra chorando, multidões de proscritos 
Famintos de pão espiritual, vagam em procissões
Rumam incertos para o deserto
Convertidos ao dogma da dor
Devotos de mais um ídolo, infiéis da razão
Trocando os pés pelas mãos
Sofrendo e fazendo sofrer...
Param diante de um monte
E no monte há uma cruz
E na cruz alguém grita: Eli, eli, lamá sabactani
E a terra estremeceu, e até a luz escurece
Cristo morreu... Era para ser um dia de salvação

*
Mas a esperteza viu na salvação
Uma oportunidade de negociar a eternidade
Uma nova religião para um velho império
E a nova religião e o mundo
Somando a dor com a ilusão
Roubando o tempo, criando templos
Comendo a carne e chupando os ossos
Prometendo a eternidade a velhos na idade
E meninos e crianças no coração
Multiplicando crenças e cobiças
Assinaram embaixo e disseram: 
Assim é, assim sempre foi - Viver é sofrer!
*
Mas há um verme dentro de nós
Uma coisa terrível... 
Uma incredulidade
Um mal-estar
Um arrependimento vago
Um monstro faminto de vida
Que rói, corrói e tempera com fel
Os nossos sonhos e as nossas ideias
Uma rebeldia domada 
Um grito de guerra, um dedo em riste
Contra toda forma de dominação
*
Diante desses deuses inventados
Esses ídolos esculpidos no coração e nos rins
Renascem sempre as mesmas perguntas mortas
E revive o velho grito entalado na garganta
Nós sabemos, nós pressentimos... Sim! Nós sabemos
Nesses bancos vazios e louvores decorados
Há um tédio que nos contempla e zomba
*
Fugimos, diante desses deuses inventados
A fé, a nossa fé, agoniza e morre
Como uma semente que não germina
Em cada palavra dita, repreendida
Pelas maldições de mais um culto sagrado
Ameaça uma blasfêmia escapar
Mas há um medo que desconfia 
E nos faz calar e pensar
Que a vida que agora vivemos
Poderia ser outra vida melhor
Se alguém nos levasse de volta
Até o antigo Gólgota...
*
Fartos de Sinai, amante de Agar
Pisoteados e sedentos de alguma verdade
Onde ninguém vê, sabe ou sente
No meio da noite insone
Um incêndio e um verme corrói a nossa fé
Uma voz grita, mas ninguém acredita
Voltem ao Gólgota! Há uma só porta
Há um só caminho, uma só verdade
Mas depois de meio século 
Esperando uma voz do céu
Ninguém quer mais saber
Ninguém quer ouvir
E todos nós, sem exceção, morremos
Antes de encontrar a saída...
*
Porque– oh, horror! – a nossa alma
Sim, a nossa alma – nós – sim, nós...
Cegos e surdos dos caminhos da vida
Nós, pobres miseráveis... querendo, ou não
Sem pensar, só porque leu num livro
Só porque escutou alguém falar
Cega e surda, acredita em tudo que ouve 
E também – ao invés de tomar o caminho da Verdade
Por pura incapacidade de calar
Se põe a falar, novo convertido
Ministro de coisa alguma, religioso, místico
Missionário de mais uma estupidez
Propagador dos mesmos enganos, engôdos e venenos
*
E nós, os fornicadores das dores da vida
Nós que nunca viramos a cara
Diante da nudez do corpo e da alma
Nós, insistentes errantes da existência 
Nós, que esquecemos tudo
E não aprendemos mais nada
Paramos diante da porta desse abismo
E a nossa alma, acostumada a sofrer
Não estremece mais... perdeu o medo do fogo
Tornou-se também, incendiaria dessa ilusão
Perdeu-se dos caminhos da vida
Renegada pelo pai e pela mãe
Zombada e odiada pelos irmãos
Encolheu-se num canto, em oração
*
Ah, a nossa alma, nossa alma... 
A nossa pobre e miserável alma...
De tanto sofrer, de tanto morrer e renascer
De tanto ouvir não, do céu da terra e do coração
Foi condicionada a pensar – cheia de revolta
Diante de tantos descaminhos e caminhos sem volta
Que a conversão a essa morte, é a única saída... 
Desse beco sem saída, a vida
_VBMello


















5 de abril de 2016

Poema sem poesia...
















Sonhos, ilusões e desilusões
As dores e as tragédias da existência
A dor do viver... a agonia do morrer
Os dias que nasceram tarde
As manhãs que nunca amanheceram
Dias que se amontoam sem princípio, meio ou fim
Vida sem nexo nem sexo... existência virtual
Eu sou o minotauro do meu labirinto
A escuridão da noite do coração
O caminho do vale da morte
Tudo me cerca e me disseca
Sou alma nua... coração profundo
Não são os frutos que me interessam
São as raízes que me fascinam
Prefiro as flores aos frutos... Espinhos, flores e frutos
Você que me lê, entenda... eu não escrevo poesia
Poesia me dá azia... escrevo eu mesmo
Minha escrita é espinho, é flor e é fruto
Empurra abismo abaixo e mostra o caminho do céu
É de noite que Deus me fala
E ao amanhecer o diabo me persegue
Quem sou eu? Nem de corpo nem de alma
Obra de arte não quero ser
Grande é o desencanto que me habita
Nada em mim... é precoce
Nada em mim... é póstumo
Sou uma velha chama que some quando se apaga
Homem de sonhos decepados, eu sou
Homem de alegria irascível, eu sou
Homem/homem... tão somente homem, eu sou
Eu herdei as maldições dos meus antepassados
A covardia do meu pai e os nervos da minha mãe
Criado na solidão, forjado na depressão
O meu espírito é um milagre... que eu não sei explicar
As sombras que vem ao meu encontro... já me encontraram
A dor que eu temo... já me corrói as carnes
A minha fé é uma máscara que esconde uma grande incredulidade
Depois da morte... talvez a vida comece
O leão que eu temo... não me teme, bate à minha porta
O pão que eu como... não me alimenta
Cheio de tudo... tenho fome não sei de que pão
E o inferno, já é agora... e o céu está cada vez mais longe
_VBMello

19 de março de 2016















Depois de estar ferido de tanto lutar
Aprendi a descansar e a vencer
Depois de ter caído
Aprendi andar sozinho
E, andando, aprendi a voar
Por fim, perdi a fé
E a esperança se foi de mim
Largado sozinho, para morrer
No vale da morte, enfrentei
Homens, demônios e feras
Foi então, que eu comecei a crer
Hoje eu levo comigo, no corpo e na alma
As feridas abertas da minha fé...
VBMello

8 de novembro de 2015

Cenas de uma guerra da alma...











Então, você olha para o lado
E vê olhares pesados
Faces carrancudas
E dedos apontados
Vozes que cochicham ameaças
Enquanto na escuridão das almas
Maldades e planos são arquitetados
E sob os pés, o chão é instável
Todos riem... Todos zombam
Até o fraco e o covarde te esbofeteia
Miseravelmente, todas as forças minguam

Não há como continuar... A derrota se anuncia
O desânimo vem e penetra até o tutano dos ossos
Um rio de lama te engole
E você se encolhe num canto
Começa então, outra noite escura da alma
Sobre a sua cabeça, o céu é de ferro
E sob os seus pés, o chão é um deserto
Você eleva uma oração ao céu
Que previsivelmente, fica calado
Ao teu lado, não há anjos, nem irmãos
Você está só, nu, pelado e largado
O que você temia, aconteceu

A sindrome de Jó, te abateu
Leões e hienas te cercam
E o riso morre nos seus lábios
E a semente da alegria
Sem germinar, seca dentro do peito
Então, no meio da madrugada
Você ouve o tropel de cavalos em disparada
E o tinir de espadas que bramam sem cessar
No fundo da alma, uma guerra está em andamento
Contra o coração cansado, inimigos se reúnem
Abandonado e sozinho na frente de batalha
Com os nervos à flor da pele

Cergado por leãos que rugem
À beira de um colapso
A adversidade te rodeia e zomba

A névoa te envolve, a escuridão te engole
Você está só perante a eternidade
E os demônios, feras hereditarias

Antigamente expulsos para o deserto
Estão voltando em bandos..., e estão famintos

Anseia matar, roubar e destruir
Querem a fraqueza da carne e o tutano dos ossos
A alma estremece - o silêncio da noite escura
É rompido por uma gargalha 

E o ar se enche de rugidos
Há um leão ao derredor 

E demônios batem à sua porta
Todos te abandonaram

Levando os despojos da sua derrota
Aqueles que em dias de paz, te juraram fidelidade, te traem
Aqueles que em dias de fartura, te juraram amor, batem em retirada
Até o seu pai, a sua mãe e os seus irmão

Te amaldiçoam, te renegam e te abandonam
Sim, agora você está só perante o seu Deus

Agora você é Jó sentando num monte de cinza quente
E as suas feridas ardem e o seu hálito fede
Você chora, você grita, você implora, mas ninguém estende a mão
E lá fora, legiões de demônios fazem festa

Vozes ecoam na escuridão e gritam:
Onde está agora, a sua fé? 
E a sua poesia, pateta, onde está?
Onde estão, as suas obras de amor? 

Onde estão, os seus amigos?
E o seu dinheiro, para que serve agora?
E o sorriso, onde está? 

E os seus sonhos, onde estão?
E o orgulho? E a arrogância? 

E a força do seu braço, onde está?
Você se levanta e caminha sozinho na escuridão

Grita, chora e ora... 
De onde te virá o socorro? 
De onde te virá a salvação?
Finalmente - oh, horror! Você sabe

Chegou para você também
A hora de saber do que você é feito... 
No coração, na alma e na mente
Vozes ecoam e gritam: 
Pedra, lama, barro, carne ou espírito... 
Do que, você é feito? Qual é a sua natureza?
Chegou - como chega para todos - a hora de provar a verdade da sua fé
Há um caminho de fuga
E há um caminho de luta - escolha!
Há um caminho de derrota 

E há um caminho de vitória - escolha!
Rápido, porque a vida não espera

Onde está, meu amigo, meu igual, a sua fé?
Você era tão feliz, tão sábio... tão especial
Ah... Ri agora, dança agora, pula agora... Não?
Ah, não chore... Não se desespere
Eis que chegou a hora... 

Do menino... Virar homem
_VBMello

22 de outubro de 2015

Poeta dos gestos…









As dificuldades da linguagem

Nunca serão obstáculo à força criativa da poesia
O espírito poético é maior do que a linguagem
E ele tem muitos outros meios de expressão
Que ultrapassam de muito
A própria magia da linguagem
Nas questões mais profundas da alma
Aquilo que a linguagem não pode dizer
Não constitui obstáculo à poesia
Aquilo que o poeta não consegue dizer, ele pode viver
E deste modo, fazer da própria vida - um ato poético
Diante da falta das palavras
Ou diante da impossibilidade
Que elas invariavelmente encontram
Quando tentam dizer os mistérios
E os segredos do coração
A pessoa pode tornar-se
Como dizia Rubem Alves
Um poeta dos gestos…
Até porque, estritamente falando
Escrever poesia..., é fácil
Mas ser – interiormente – poeta
É um pouco mais difícil
Eu conheço muitas pessoas
Que nunca escreveram um verso
Mas que são poetas dos gestos
Dos olhares, dos sorrisos e das palavras faladas
E também conheço outras tantas
Que passam a vida a escrever versos
Mas que ainda não chegaram nem perto
Daquilo que realmente significa - ser poeta…
VBMello

Um lugar além...

Antes do amanhecer, enquanto a cidade dormia, eu chorei
O horizonte infinito, grita por mim
Quero ir, quero partir para nunca mais voltar
Mas as minhas pernas estão quebradas
Enquanto eu dormia sozinho
O corpo e a alma, ambos mergulhados
Na névoa fria da noite escura
As minhas asas foram arrancadas
Sobram-me céus azuis 
Faltam-me, porém, asas para voar
Tenho vontade, mas não tenho força
Agora, a minha casa não é um lugar agradável
Entre feras, eu habito
Inimigos me cercam
É com dificuldade e lágrimas
Que nesse chão escorregadio – e frio
Eu me sustendo de pé
A minha herança – é o nada
A minha incompatibilidade – é sanguínea
O ar que me envolve - é a solidão
A voz que me fala – é o silêncio
Mas nas entranhas do meu ser
Em lugares que ninguém chega ou vê
Um fogo arde e uma luz ilumina…
Sim, na minha alma existe um lugar
Que eu ainda guardo na memória
Um lugar que não existiu na minha infância
Mas que eu criei para o meu descanso e inspiração
Um lugar onde a escuridão dos meus ancestrais – não venceu
Um lugar onde o sangue do meu sangue – não coagulou
Um lugar só meu, onde a chuva das manhãs de primavera ainda cai
Onde os jardins ainda florescem e os rios ainda correm cristalinos
Um lugar onde a esperança ainda aquece e o amor ainda promete
Um lugar onde a alma das pessoas é mais limpa do que as suas casas
E os olhos brilham mais do que os espelhos
Para este lugar distante e profundo (essa prisão de luz)
Quando o deserto me envolve e o frio me abraça
Eu sempre volto – sem revolta – nos dias de revolta…
VBMello

Eli, eli, lamá sabactâni

Todos os dias, como alguém que repete a mesma ladainha 
A minha oração, é uma só: Senhor, livra-me, de mim mesmo
Porque as batalhas da minha alma, são ferozes e dilacerantes
Graça jamais recebida... O Senhor, deixou-me entregue a mim mesmo
Estou só comigo, e a minha alma é uma arena de gladiadores
Um abismo de bestas selvagens... Um lagar de guerras sangrentas
Todo dia, querendo ir mais fundo, em mim mesmo
Travo batalhas sem trégua e sem perdão...
Todavia, não peço, nem imploro paz ou misericórdia
Sou assim... É a minha sina... Já não sinto dor
Acostumei-me com as minhas tenebrosas guerras interiores
Fiz da solidão, a minha mãe
E do silêncio, fiz o meu pai
Sou um cidadão das tormentas da alma
A minha alma é uma casa em chamas
Um errante da fé, da esperança e do amor
Navegar mares tempestuosos
E cruzar desertos, é a minha sina – e a minha loucura
Acostumado à noite escura e sem estrelas
Embora saiba que elas sempre surgem no horizonte
Não anseio mais por manhãs ensolaradas
Sim, a alma, essa vastidão sombria
Que cresceu nutrindo-se de tormentas e desertos
Em manhãs ensolaradas, desespera-se
Ah, tornei-me interiormente, excessivamente belicoso – e resistente ao frio  
Andar na corda bamba da existência, é a minha especialidade
Não me julgue pelos sorrisos 
Não me tome por um homem manso e sereno
Não me julgue pela aparência
Do avesso, eu sou muito pior do que pareço
Se quiser, se puder… Aproxime-se com cuidado
Em silêncio, sente-se ao meu lado
Torne-se um comigo… Encoste a sua cabeça no meu peito
Ouça os sons das minhas batalhas
Não, não se deixe confundir pelos sons que escuta
Pois estes não são os sons das batidas do meu coração
São os terríveis ruídos de batalhas ancestrais
O grito de guerra, o bramir da espada e o tropel dos cavalos
A herança belicosas que os meus ancestrais me legaram
Ah, meu irmão, meu igual... Dentro do meu peito
O juízo final, começou quando eu nasci…
VBMello