Ainda sonhando dias melhores?
Ainda se deixando dominar por antigas saudades?
Não vê que toda espera é vã?
Faz tempo que a fé deixou de ser o que é
Passou já o meio-dia da vida
Viu como foi rápido, como um rio que
corre?
Num instante a tarde chegou e findou
O amanhã não será outro dia
Passou o tempo dos risos e dos choros
Sombras poderosas rondam a tua alma
Cansada, opaca, terrestre...
O ar pesado ao seu redor?
São as terríveis Parcas que se aproximam
Elas surgem transportando a ti o insuportável
peso do teu destino
Olhe a verdade no fundo dos olhos
O espírito de morte que te habitou a
vida desde o nascimento
E anuncia que o fim do teu tempo se
esgota rápido
Eis então, o fim do último espetáculo
As cortinas se fecham diante das
cadeiras vazias do palco da vida
Ouve o som de ferro afiando ferro?
É Átropos afiando a sua tesoura
Posso te chamar de amigo?
O fio que te prende a está realidade...
Que inadvertidamente pensas ser a
plenitude de tudo que se chama realidade
Estás para ser cortado a qualquer
momento
Em breve serás arrastado a outras
dimensões da realidade...
Os ventos, os dias e as noites...
Tudo caminha contra você...
Tudo te toma pela mão e te leva por
caminhos que não queres ir...
Ainda fazendo planos para o amanhã?
Ainda recordando antigos amores?
Ali, sob a neblina fria do entardecer
O velho e cadavérico Caronte
Que já vem singrando sobre o negrume das
águas do sombrio Estige
Como viveu terás de partir, só
Deponha as armas e a carga
Liberte-se dos sonhos de amor e dos
pesadelos de ódio
Não há grande perda em perder a vida
Não lamente a chama que se apaga no
fundo da alma
A morte é ganho para quem parte
É ansiedade para quem a espera
Embarque sem olhar para trás
Descanse sob a luz do luar
A partida se dará quando a hora certa de
partir chegar
A tempestade em breve passará
Nós somos seres nascidos para morrer
A morte habita desde sempre
Nada é mais inato na vida que a certeza
da morte
Vai chegar a hora de ler,
A última frase da sua história,
Pôr um ponto final em tudo que você imagina
que foi, é ou ainda sonha ser... Vamos... Não tema, vire a página e vá dormir
sem previsão de acordar.
O destino te parece incerto?
A única certeza é a de que estás
morrendo, meu caro
Tu, e toda tua história pertencem agora
ao esquecimento
Tu habitas hoje a casa da morte
Estou pensando. Você diz.
Mas meu amigo, isso que você tem na
cabeça não são mais seus pensamentos, é o resto, o fiapo último do seu instinto
de sobrevivência,
Você agora é puro instinto
Mas meu amigo, isso não é lutar
São espasmos derradeiros de um corpo
abandonado pelo fôlego da vida
Se entregue nos braços da dissolução
eterna
Deixe-a, como uma mãe que coloca o filho
para dormir
Levá-lo pela mão em direção aos abismos
da eternidade
Não lute contra o impossível
Mas no fim saiba que você não
sobreviverá ao dia de hoje...
Você ainda não está no céu
Não se preocupe com isso agora
É assim mesmo, as vistas turvam, e o
corpo perde as forças, é normal
Nos últimos momentos antes da morte o
homem vive como se sonhasse
A consciência fica cada vez mais
letárgica
O inconsciente aflora e os demônios
Até então latentes no fundo da alma
Sobem à superfície da pele
(não tenha vergonha de gritar)
E revela sem querer os segredos ocultos
do seu coração
Digamos que é chagada a hora da
verdade...
Uma verdade que, obviamente, vais morrer
antes de conhecer completamente.
E no fim das contas a vida é só isso
mesmo
A morte devorando nossos dias
Que ironia terrível, isso que inadvertidamente
chamamos de vida...
Porque viver, meu amigo, viver é morrer.