2 de dezembro de 2013

Versos Perversos...

Fragmentos de uma coisa qualquer
Que não vingou
E que se vingou
Morrendo vazia
Sem ser poesia
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Muito tempo depois
Na lápide que orna o nada
Que me orna
Uma virgem anônima
Despudorada
Em memória da minha memória
Escreveu:
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À Babilônia das necessidades
Desnecessárias
O lugar de onde vim
Da solidão do mundo
Vazio como vim
Eu retornei
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Foi então, que...
Oh! Sim, sim...
Eu me lembro
Como poderia me esquecer?
O céu estava escuro e chovia
Dentro do peito
Enquanto a morte brotava
A alma chorava
- Há quem diga que de alegria –
Quando, pelas estradas tortas da vida
Cansado de andar em linha reta
Para chegar ao futuro
Fiz uma volta ao passado
E quando dei por mim
Oco no escuro oco da noite
No abismo
Seduzido outra vez
Pelo abismo
Sem deixar saudades
Sem levar saudades
Mergulhei na eternidade
Homem morto
Vagando sozinho pelas ruas lamacentas
Dessa cidade solitária
Oh, horror!
Dessa cidade de meia idade
Chamada
Alma cansada
.
.
.
.
Foi então, que, eu pensei pela primeira vez
Em como seria bom
E fácil
Aliviar para sempre
Das labutas putas dessa morte
Que inadvertidamente
Chamamos...
Nossa vida
As ilusões da minha breve vida
.
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E depois de tudo
Ainda tem gente
Que pensa
Que morrer
É parar de respirar
V.B.Mello

17 de novembro de 2013

Bardo Thodol

 Ainda fazendo planos?
Ainda sonhando dias melhores?
Ainda se deixando dominar por antigas saudades?
Amores e dores?
Esperanças?
Ódios e rancores?
Não vê que é inútil?
Não vê que toda espera é vã?
Faz tempo que a fé deixou de ser o que é
Passou já o meio-dia da vida
Viu como foi rápido, como um rio que corre?
Num instante a tarde chegou e findou
E a última noite caiu
O amanhã não será outro dia
melhor
Ou pior
Será nada
Passou o tempo dos risos e dos choros
Sombras poderosas rondam a tua alma
Cansada, opaca, terrestre...
Não sente o cheiro?
A viscosidade?
Não sente o gosto?
O frio na barriga?
A ânsia de vômito?
O ar pesado ao seu redor?
São as terríveis Parcas que se aproximam
Da noite do teu corpo
E do caos da tua alma
Elas surgem transportando a ti o insuportável peso do teu destino
Não curve a cabeça
Olhe a verdade no fundo dos olhos
O espírito de morte que te habitou a vida desde o nascimento
Acordou
E tem fome...
E pressa
E anuncia que o fim do teu tempo se esgota rápido
Eis então, o fim do último espetáculo
As cortinas se fecham diante das cadeiras vazias do palco da vida
Ouve o som de ferro afiando ferro?
É Átropos afiando a sua tesoura
Ah, amigo meu...
Posso te chamar de amigo?
O fio que te prende a está realidade...
Que inadvertidamente pensas ser a plenitude de tudo que se chama realidade
Estás para ser cortado a qualquer momento
Em breve serás arrastado a outras dimensões da realidade...
Os ventos, os dias e as noites...
Tudo é contra você...
Tudo caminha contra você...
Tudo te toma pela mão e te leva por caminhos que não queres ir...
Ainda fazendo planos para o amanhã?
Ainda recordando antigos amores?
Olhe!
Ali, sob a neblina fria do entardecer
Não vê?
É o terrível barqueiro
O velho e cadavérico Caronte
Que já vem singrando sobre o negrume das águas do sombrio Estige
E não há anjos...
Nem dríades com ele
Prepara-te para embarcar
Como viveu terás de partir, só
Não levarás nem bagagem
Nem sonhos
Nem saudades
Nem prazeres
Assustado?
Inquieto?
Não fique
Diminua o peso
Deponha as armas e a carga
Liberte-se dos sonhos de amor e dos pesadelos de ódio
Não chore
Não há grande perda em perder a vida
Não lamente a chama que se apaga no fundo da alma
A morte é ganho para quem parte
É ansiedade para quem a espera
Livre-se da ansiedade
Embarque sem olhar para trás
Descanse sob a luz do luar
A partida se dará quando a hora certa de partir chegar
A tempestade em breve passará
É assim com todo mundo
Não sabes?
Desde antes de nascer
Nós somos seres nascidos para morrer
Em nossa alma
Em nosso corpo
Em nossa memória...
Em nossa história.
A morte habita desde sempre
Nada é mais inato na vida que a certeza da morte
Uma hora,
Qualquer hora,
Vai chegar a hora de ler,
Ou escrever,
A última frase da sua história,
Pôr um ponto final em tudo que você imagina que foi, é ou ainda sonha ser... Vamos... Não tema, vire a página e vá dormir sem previsão de acordar.
A alma está pesada?
A cabeça está confusa?
O destino te parece incerto?
Mas meu caro
Não existe
Nem na vida
Nem na morte
Certezas
A única certeza é a de que estás morrendo, meu caro
Aquilo que você foi
Aquilo que você é
Já não és mais
Tu, e toda tua história pertencem agora ao esquecimento
Tu habitas hoje a casa da morte
Estou pensando. Você diz.
Mas meu amigo, isso que você tem na cabeça não são mais seus pensamentos, é o resto, o fiapo último do seu instinto de sobrevivência,
Você não pensa mais
Não sonha mais
Não vive mais
Você agora é puro instinto
Estou lutando. Você diz
Mas meu amigo, isso não é lutar
São espasmos derradeiros de um corpo abandonado pelo fôlego da vida
Se entregue nos braços da dissolução eterna
Deixe-a, como uma mãe que coloca o filho para dormir
Levá-lo pela mão em direção aos abismos da eternidade
Não lute contra o impossível
Grite
Esperneia
Soluce
Chore
Vomite
Mas no fim saiba que você não sobreviverá ao dia de hoje...
Não se preocupe
Você ainda não está no céu
Nem no inferno
Não se preocupe com isso agora
Morra como viveu
É assim mesmo, as vistas turvam, e o corpo perde as forças, é normal
Ninguém nunca te contou?
Nos últimos momentos antes da morte o homem vive como se sonhasse
A consciência fica cada vez mais letárgica
O inconsciente aflora e os demônios
Todos eles
Até então latentes no fundo da alma
Sobem à superfície da pele
E o homem grita
(não tenha vergonha de gritar)
Delira
Range os dentes
E revela sem querer os segredos ocultos do seu coração
Digamos que é chagada a hora da verdade...
Uma verdade que, obviamente, vais morrer antes de conhecer completamente.
E no fim das contas a vida é só isso mesmo
Sorria
Porque é isso
A morte devorando nossos dias
Que ironia terrível, isso que inadvertidamente chamamos de vida...
Porque viver, meu amigo, viver é morrer.

V.B.Mello

06 de abril de 2013