Das coisas que eu queria antes
Não quero mais nada
Dos sonhos que sonhei
Não sonho mais
O que me encantava
Não me encanta mais
Velhas recordações
Tempestades
Tempestades de sentimentos
A revolta, a fúria, a tristeza
Mesmo depois de tanto tempo
Fecho os olhos e finjo
Mas não é coisa fácil
A minha mente se engana
Mesmo quando é dia claro
Lá fora... Vejo pela fresta da janela
Faço uma fogueira... Ateio fogo
Não quero mais nada
Dos sonhos que sonhei
Não sonho mais
O que me encantava
Não me encanta mais
Velhas recordações
Tempestades
Ondas que reviram
Saudades e dores
De um tempo morto
Perambulam - ainda vivas
Pela superfície tempestuosa
Dessa minha velha alma triste
Tempestades de sentimentos
Que ressuscitam e desenterram
Outros sentimentos esquecidos
E avivam lembranças mortas
Marcadas e sublimadas
De antigas feridas
No corpo e na alma
E trazem à memória a sombra
De antigas noites de angústias sem fim
A revolta, a fúria, a tristeza
As perdas, as humilhações
A indiferença e a zombaria
Nada me humilha mais
O corpo e a alma agonizam
Sob o fardo dessas recordações
A realidade nua e crua
É exaustiva demais
Para o meu fraco coração
Mesmo depois de tanto tempo
Tempo suficiente
Para um menino descalço
Virar homem feito
As ferida ainda estão abertas
E as recordações ainda
São tão insuportáveis
Que eu prefiro pensar
Que tudo foi um sonho
Fecho os olhos e finjo
Que aquelas são dores
Que nunca aconteceram
Mas não é coisa fácil
Enganar a si mesmo
Nada mais dolorido
do que enganar a si mesmo
E mesmo assim, apesar de tudo
Nada mais necessário
A minha mente se engana
Mas o meu corpo - velho sofredor
Não se deixa mais convencer
Pelas mentiras repetidas
Que a minha consciência
Conta para a minha alma
Mesmo quando é dia claro
Levo comigo, a escuridão da noite
O passado dolorido, ainda está comigo
Não há como mentir sobre isso
Lá fora... Vejo pela fresta da janela
O sol brilha num céu azul aguado
O dia está amanhecendo
É a pior hora do dia
Escuto alguém rindo
Encolho-me num canto
Cubro a cabeça
Tapo os ouvidos
Faço cara de desprezo
Tudo me incomoda
Tudo me aborrece
Nas profundezas do meu coração
Um vulcão ameaça-me
Com a fúria das suas erupções
Dou de ombros... Que se dane
A minha alma já entrou em erupção
Outras tantas vezes, e nada mudou
Mostro-lhe o dedo médio em riste
Filho da puta! Quase grito, mas me contenho...
Não sou homem de xingamentos
Sou homem de tormentos calados
Perdoem-me o desabafo
Ora, vá para o inferno!
Ao entrar, deixa lá fora
A piedade e a compaixão
Estou além desses mesmices
Metade sonho
Metade pesadelo.
Um ser triste
Metade vida
Metade morte
Habita dentro de mim
Narciso que se enamora
E se devora...
Lá fora, bandos de pardais se amontoam
Nos galhos tortos de uma árvore velha
Que sem nunca ter produzido uma flor
Ou sequer um fruto mirrado
Sofre e morre - bem na frente da minha janela
Tenho uma grande compaixão
Por essa miserável árvore estéril
Somos tão iguais... Somos filhos do mesmo nada
Metáforas um do outro... Eu a plantei
Como eu, ela foi uma criança viva e feliz
Mas então, algo aconteceu... Agora secamos e morremos
Abraçados um na sombra do outro... Espinheiros recíprocos
Oh, meu Deus! Como um rato trancado
Dentro de uma caixa escura... Apreensivo
O coração salta pesado de ansiedades
Ouço janelas que batem e portas que rangem
Ouço vozes e passos... É a pior hora
A tristeza vem e me abraça... E me consola
Meu espirito agoniza e chora
Indiferente... Sem me levar com ela
A vida segue cega e surda
Mostro-lhe o dedo médio ereto
Grito-lhe um palavrão
E viro-lhe as costas
Que vá para o inferno!
sim, que vá para o inferno
Indiferente, a natureza não para
Diante das ondas de um mar cristalino
Flores desabrocham no jardim
Belezas e ritmos que sobrecarregam
A minha alma de melancolia
O mar tão belo e verde
Quebram mansamente na areia da praia
Não me importo... Hoje não é dia de praia
Não me importa o chamado do mar
Hoje o meu destino é a solidão do deserto
Carros passam melancólicos... A vida segue
A depressão, mais uma vez, me esgota
Deus meu, onde está? Não chegou aí no céu
Nem uma só das minhas orações?
O som de uma TV invade
As profundezas da minha alma
Instintivamente fecho na cara do mundo
As portas dos meus abismos
Estou só... Hoje não quero ver TV
Sim, estou só, completamente só
Embora haja gente do meu lado
Eu já era para estar acostumado
Mas não estou...
Fui gestado há dez mil anos atrás
Num útero cheio de cacos de vidro
Vergonha... Raiva... Decepção
O coração clama por vingança
A minha casa é o lugar mais longe do mundo
Um lugar onde tudo morre, animais, plantas e sonhos
Agora, nesse momento esperança que eu ainda tinha
Se transformou em forte ânsia de vômito
Preciso vomitar essa raiva...
Imaturidade! Imaturidade! Imaturidade!
Grita uma voz sofrida dentro de mim...
Imaturidade! Imaturidade! Imaturidade!
Recolho-me num canto escuro
A escuridão me faz bem
Dentro e fora da alma
O silêncio é tudo que há
Hoje não quero conversa
Já que não tenho direito
De dizer coisa alguma
O dedo médio, sempre em riste
É a minha defesa contra as dores da vida
Uma porta se abre...
Se dentro ou fora da minha alma, não sei dizer
Deito-me e viro a cara para a parede... Fecho os olhos
Acordado, quase durmo... Rolo na cama de um lado para outro
A noite chegou e eu nem vi... Pesadelos me sufocam
Meus olhos ardem de insônia... Diante de mim... Oh,
horror
Os fragmentos da minha vida, amontoam-se
Como os restos de um naufrágio
Ah, esqueci de dizer... Estou de partida para uma longa
viagem
Fecho os olhos e arrumo as minhas coisas
Vou por caminhos estreitos
Por onde se anda melhor sozinho
De olhos fechados e coração aberto
Não levo bagagem nem dinheiro
Levo apenas a minha alma... E mais nada
Deixo-me para trás... E sigo sozinho
Livre até de mim mesmo
Vou pelo caminho das estrelas
Levo fomes que anseiam por instantes de saciedade
Não levo esperanças, só algumas ilusões
Não levo, nem deixo saudades
Recolho e amontou na areia
Os restos do naufrágio da minha vida
Restos de sonhos e pedaços de desejos
Fragmentos de vontades abortadas
Refugos de vida... As vergonhas vividas
As mesmas humilhações, mil vezes sofridas
O passado, o futuro - e o agora... Tudo
Faço uma fogueira... Ateio fogo
A carne queima, o sangue congela
As chamas se elevam ao céu
Que me chama
Que me reclama
Tarde demais! Tarde demais! Grito
A minha vida queima e os meus sonhos
Se desfazem em cinzas... O meu coração agoniza
Sacrifico tudo em holocausto a Deus
Em torno dessa fogueira das vaidades
Danço uma dança macabra... Danço grito, choro...
Rolo no chão... Morro... Renasço... Torno morrer
E assim vou morrendo, até desanimar de ressuscitar
Capturado pela parte sombria da vida
Tombo diante do nada de uma vida desistida
Minha mãe ri... Meus irmãos zombam
Meus filhos... miseráveis... morreram todos
E eu morri com eles... E nenhum deles renasceu
Agora sou alma que vaga sem destino
Sou sombra que segue pelo caminho estreito
Sou a vida que se perdeu no colo da mãe
Sou o suicida indeciso parado na beira do abismo
A espera de um milagre? Mas milagres não existem mais
Sou Adão seduzido pela Eva seduzida
E a serpente gargalha desse meu espetáculo medíocre
Sou abismo desejante de altura... Sou morte desejante de
vida
Sou anjo caído – traído... Sim
Chamam-me anjo caído, os meus inimigos
Todavia, nada sabem de mim... Nada sabem de anjos
Dizem que estou morto... Mas nada sabem da morte
Ah! Num momento de liberdade
O coração parou... aquietou
Agora eu durmo profundamente... , e sonho
Então é que eu vivo... Um anjo vem e me toma pela mão
Zomba de mim, certamente... E me leva pelos seus caminhos
de luz
Finjo que vou com ele... Cruzamos estrelas...
Cruzamos mundos... Cruzamos céus... Tropeçamos na
eternidade
Desço com ele até os confins da minha imaginação
Busco a mim mesmo..., nele... que me busca
Ele me olha dentro dos olhos
Por breve momento, coisa estranha, vejo-me nele
Mas ele não se vê em mim... Como poderia?
Somos anjos de natureza diferente
O maldito som do relógio
Me desperta dessa minha ilusão
Ouço som de pássaros cantando
Escuto vozes... É a pior hora do dia
O dia está amanhecendo... Levanto-me...
É dia... Mais um dia, mas não outro dia
A vida chama
Preciso correr
Para não morrer
Estou atrasado - de novo
Ponho os pés na rua
O meu coração estremece
A multidão me envolve
Forço as vistas, firmo os olhos
E procuro sem encontrar
Até as maiores distâncias que posso ver
Não vejo anjos... Vejo apenas lobos de outros lobos
Serpentes que rastejam ao meu redor... E isso é tudo
E somente então, por breve instante
É que me dou conta de que me tornei
Um homem quase triste... Quase morto... Quase feliz
VBMello