22 de outubro de 2015

Poeta dos gestos…









As dificuldades da linguagem

Nunca serão obstáculo à força criativa da poesia
O espírito poético é maior do que a linguagem
E ele tem muitos outros meios de expressão
Que ultrapassam de muito
A própria magia da linguagem
Nas questões mais profundas da alma
Aquilo que a linguagem não pode dizer
Não constitui obstáculo à poesia
Aquilo que o poeta não consegue dizer, ele pode viver
E deste modo, fazer da própria vida - um ato poético
Diante da falta das palavras
Ou diante da impossibilidade
Que elas invariavelmente encontram
Quando tentam dizer os mistérios
E os segredos do coração
A pessoa pode tornar-se
Como dizia Rubem Alves
Um poeta dos gestos…
Até porque, estritamente falando
Escrever poesia..., é fácil
Mas ser – interiormente – poeta
É um pouco mais difícil
Eu conheço muitas pessoas
Que nunca escreveram um verso
Mas que são poetas dos gestos
Dos olhares, dos sorrisos e das palavras faladas
E também conheço outras tantas
Que passam a vida a escrever versos
Mas que ainda não chegaram nem perto
Daquilo que realmente significa - ser poeta…
VBMello

Um lugar além...

Antes do amanhecer, enquanto a cidade dormia, eu chorei
O horizonte infinito, grita por mim
Quero ir, quero partir para nunca mais voltar
Mas as minhas pernas estão quebradas
Enquanto eu dormia sozinho
O corpo e a alma, ambos mergulhados
Na névoa fria da noite escura
As minhas asas foram arrancadas
Sobram-me céus azuis 
Faltam-me, porém, asas para voar
Tenho vontade, mas não tenho força
Agora, a minha casa não é um lugar agradável
Entre feras, eu habito
Inimigos me cercam
É com dificuldade e lágrimas
Que nesse chão escorregadio – e frio
Eu me sustendo de pé
A minha herança – é o nada
A minha incompatibilidade – é sanguínea
O ar que me envolve - é a solidão
A voz que me fala – é o silêncio
Mas nas entranhas do meu ser
Em lugares que ninguém chega ou vê
Um fogo arde e uma luz ilumina…
Sim, na minha alma existe um lugar
Que eu ainda guardo na memória
Um lugar que não existiu na minha infância
Mas que eu criei para o meu descanso e inspiração
Um lugar onde a escuridão dos meus ancestrais – não venceu
Um lugar onde o sangue do meu sangue – não coagulou
Um lugar só meu, onde a chuva das manhãs de primavera ainda cai
Onde os jardins ainda florescem e os rios ainda correm cristalinos
Um lugar onde a esperança ainda aquece e o amor ainda promete
Um lugar onde a alma das pessoas é mais limpa do que as suas casas
E os olhos brilham mais do que os espelhos
Para este lugar distante e profundo (essa prisão de luz)
Quando o deserto me envolve e o frio me abraça
Eu sempre volto – sem revolta – nos dias de revolta…
VBMello