6 de abril de 2016

A nossa sina...


Nosso mundo, nossa vaidade, nossa ilusão, nossa fantasia, nossa escuridão, nossa sina... Assim é, assim sempre foi, assim sempre será... Amarrados pelas mentiras que os nossos pais nos contaram, e acorrentados pelas mentiras que nós mesmos, que coisa estranha, como se fosse fácil enganar o próprio coração, contamos para nós mesmos... Entre a glória e a escória, seguimos os passos dessa estranha humanidade desumana, tropeçando aqui e ali nos abismos desse mundo que jaz na maldade e se afoga na lama das suas próprias mentiras.


Ah, Deus... Num mundo de faces desgastadas e cansadas, que insiste em usar máscaras de triunfalismo e felicidade, cheio de almas em declínio, indiferentes habitantes ocos de uma ilusão em constante erosão, algumas coisas, por estranho que pareça, nunca ganham nitidez, por mais que a luz brilhe...


Temos olhos, mas não enxergamos. Temos ouvidos, mas não escutamos... É a nossa sina. É a nossa sorte... Vivemos um tempo difícil para quem tem coragem de olhar a realidade cara a cara... Melhor virar a cara, melhor fingir de surdo.


Então, inconscientes dessa nossa louca e fingida cegueira, perdidos nas nossas ilusões, reclusos, talvez escravos, de uma verdade que inventamos para tentar justificar a nossa degradante situação, ou convencidos por algum ser maligno, que sutilmente toma posse e preenche os abismos do nosso coração, e que dia a dia, nos estimula mais e mais a fome de vaidade e disfarça a nossa surdez e o nosso pecado, inventamos uma luz artificial para tudo, e mascaramos de luz a nossa imensa e fria escuridão...


Com as cores da nossa ilusão
Pintamos a nossa escuridão
Contornamos o incontornável
Assinamos a ilusão com o nosso nome
Fingindo que somos seres de luz
Maquiamos o caos
Fingimos uma felicidade
Que não conhecemos
Sob uma montanha de comprimidos
Escondemos a ansiedade e sufocamos a depressão
Viramos a cara, andamos noutra direção, e lavamos as mãos
Oh, horror... Todo dia, ratificamos perante o céu, a nossa perdição... Ainda temos uma alma?


Mas a nossa imitação de luz 
Não chega para iluminar
As profundezas da nossa alma
Nem sequer serve para
Aquecer a nossa alma
Menos ainda, para incendiar
O nosso pobre coração...


Na face, coisa estranha, fingimos verão, mas na alma - Quem pode dizer que não? - Sofremos as dores dos dias de inverno e o medo das noites de escuridão...


Longe de Deus / longe do céu
Longe da razão / longe de tudo
Criando paraísos artificiais
Destilando veneno contra tudo
Demonizando tudo que é diferente
Fingindo um amanhã que nunca virá
Escondendo uma carta na manga
Mas a nossa carta na manga
O nosso ferrão
O nosso mundo 
O nosso veneno
Sempre, de um modo ou de outro
Alcança sempre o nosso próprio coração
E a nossa ideia de vida nova
A oportunidade que esperamos
Para virar a mesa e recomeçar
Deus sabe... Deus sempre soube
É só mais uma ilusão entre tantas ilusões...


E apesar de tudo, e de todas as máscaras inúteis que forjamos para esconder a nossa triste condição, apesar de todos e paraísos artificiais que inventamos para alimentar as fomes da nossa alma, permanece ainda, e não poderia ser diferente, por tempo indeterminado, a nossa prisão, as nossas algemas e nossa tosca ilusão de fé, amor e liberdade...
_VBMello


Sem rumo...











Há tanta tristeza no ar
Tanto mal-estar
Escapa-nos, todavia
A causa de tanta dor
Sofremos, e isso é tudo
Sofremos por hábito
Sofremos sem fazer perguntas
Nossos pais nos iniciaram nessa via dolorosa
*
Sob a sombra de uma árvore
Em profunda luta interior
Alguém gritou um dogma: Viver é sofrer!
Aconteceu um parto
Mais uma gravidez chegou ao fim
Nasceu mais uma religião
Começou mais uma escravidão
Declinou ainda um pouco mais, a razão
Sob o sol e sob a chuva, estômagos roncando
A terra chorando, multidões de proscritos 
Famintos de pão espiritual, vagam em procissões
Rumam incertos para o deserto
Convertidos ao dogma da dor
Devotos de mais um ídolo, infiéis da razão
Trocando os pés pelas mãos
Sofrendo e fazendo sofrer...
Param diante de um monte
E no monte há uma cruz
E na cruz alguém grita: Eli, eli, lamá sabactani
E a terra estremeceu, e até a luz escurece
Cristo morreu... Era para ser um dia de salvação

*
Mas a esperteza viu na salvação
Uma oportunidade de negociar a eternidade
Uma nova religião para um velho império
E a nova religião e o mundo
Somando a dor com a ilusão
Roubando o tempo, criando templos
Comendo a carne e chupando os ossos
Prometendo a eternidade a velhos na idade
E meninos e crianças no coração
Multiplicando crenças e cobiças
Assinaram embaixo e disseram: 
Assim é, assim sempre foi - Viver é sofrer!
*
Mas há um verme dentro de nós
Uma coisa terrível... 
Uma incredulidade
Um mal-estar
Um arrependimento vago
Um monstro faminto de vida
Que rói, corrói e tempera com fel
Os nossos sonhos e as nossas ideias
Uma rebeldia domada 
Um grito de guerra, um dedo em riste
Contra toda forma de dominação
*
Diante desses deuses inventados
Esses ídolos esculpidos no coração e nos rins
Renascem sempre as mesmas perguntas mortas
E revive o velho grito entalado na garganta
Nós sabemos, nós pressentimos... Sim! Nós sabemos
Nesses bancos vazios e louvores decorados
Há um tédio que nos contempla e zomba
*
Fugimos, diante desses deuses inventados
A fé, a nossa fé, agoniza e morre
Como uma semente que não germina
Em cada palavra dita, repreendida
Pelas maldições de mais um culto sagrado
Ameaça uma blasfêmia escapar
Mas há um medo que desconfia 
E nos faz calar e pensar
Que a vida que agora vivemos
Poderia ser outra vida melhor
Se alguém nos levasse de volta
Até o antigo Gólgota...
*
Fartos de Sinai, amante de Agar
Pisoteados e sedentos de alguma verdade
Onde ninguém vê, sabe ou sente
No meio da noite insone
Um incêndio e um verme corrói a nossa fé
Uma voz grita, mas ninguém acredita
Voltem ao Gólgota! Há uma só porta
Há um só caminho, uma só verdade
Mas depois de meio século 
Esperando uma voz do céu
Ninguém quer mais saber
Ninguém quer ouvir
E todos nós, sem exceção, morremos
Antes de encontrar a saída...
*
Porque– oh, horror! – a nossa alma
Sim, a nossa alma – nós – sim, nós...
Cegos e surdos dos caminhos da vida
Nós, pobres miseráveis... querendo, ou não
Sem pensar, só porque leu num livro
Só porque escutou alguém falar
Cega e surda, acredita em tudo que ouve 
E também – ao invés de tomar o caminho da Verdade
Por pura incapacidade de calar
Se põe a falar, novo convertido
Ministro de coisa alguma, religioso, místico
Missionário de mais uma estupidez
Propagador dos mesmos enganos, engôdos e venenos
*
E nós, os fornicadores das dores da vida
Nós que nunca viramos a cara
Diante da nudez do corpo e da alma
Nós, insistentes errantes da existência 
Nós, que esquecemos tudo
E não aprendemos mais nada
Paramos diante da porta desse abismo
E a nossa alma, acostumada a sofrer
Não estremece mais... perdeu o medo do fogo
Tornou-se também, incendiaria dessa ilusão
Perdeu-se dos caminhos da vida
Renegada pelo pai e pela mãe
Zombada e odiada pelos irmãos
Encolheu-se num canto, em oração
*
Ah, a nossa alma, nossa alma... 
A nossa pobre e miserável alma...
De tanto sofrer, de tanto morrer e renascer
De tanto ouvir não, do céu da terra e do coração
Foi condicionada a pensar – cheia de revolta
Diante de tantos descaminhos e caminhos sem volta
Que a conversão a essa morte, é a única saída... 
Desse beco sem saída, a vida
_VBMello