3 de maio de 2013


Inveja Metafísica
Invejo Drummond,
Ele conta que quando nasceu, um anjo torto, desses que vivem nas sombras disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
Invejo Adélia Prado que conta que quando ela nasceu um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: Vai carregar bandeira.
Nem anjo torto.
Nem anjo esbelto.
Nunca, jamais, anjo algum me visitou.
Invejo todos os que, de um modo ou de outro,
Receberam a visitação de um anjo que lhes disse o que fazer da vida.
Mas não perco as esperanças.
O Filho da Virgem, talvez me fale na hora da morte.
Que gloriosa seria então a hora da minha morte! Que instante de iluminação!
Talvez o céu se compadeça e envie anjos para me guiarem depois da morte.
Invejo todos que, ao morrerem pela vontade de Deus, viram um anjo de plantão aos pés da cama.
Invejo todos os que têm olhos capazes de ver além das aparências.
Invejo olhos de Jorge Luiz Borges que vêem bem no fundo dos sonhos, o sonho.
Eu nunca vi em meus sonhos os tigres de fogo de William Blake.
Nem mesmo os tigres de símbolos e sombras de Borges.
Ver um anjo deve ser como ver um tigre.
Ou ver o oceano em dia de tempestade.
Talvez seja como ver o pôr-do-sol em Itaúnas...
Talvez eu os veja amanhã de manhã, no brilho vermelho do nascer do sol...
Talvez eu não os veja jamais, nem os ouça, nem antes nem depois da morte.
Talvez eu não tenha fé suficiente para ver e ouvir.
Talvez sejam meus ouvidos...
Ou os meus olhos.
Ou a timidez dos meus sonhos...
Eu nunca tive ouvido musical.
Nasci surdo para as coisas celestiais.
Alguém me disse, ou eu li em algum lugar, que os a anjos vivem no fundo da nossa alma...
Porque o Reino de Deus está dentro de nós.
Ai de mim! Falta-me fôlego para chegar a tão abissal profundidade!
Resigno-me. Perdi a oportunidade de vê-los ao nascer.
Espero agora pelo momento da morte, quando à semelhança do momento de nascer,
As profundidades da alma sobem à superfície da pele, e os olhos enlouquecem.
Talvez então eu possa vê-los, e ouvi-los.
Mas então já será tarde demais para esse tipo de visitação metafísica.
Ah! Que me perdoem os céus e os anjos...
Vivi até agora sem ver e ouvir anjos...
Daqui para frente...
(Falo como qualquer louco),
O que passar disso será apenas curiosidade e vaidade.
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Sábado, 13 de abril de 2013.

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