30 de julho de 2013

Fragmentos do Inconsciente – Incertezas.

É estranho como, às vezes, as coisas mais estranhas acontecem com a gente de modo tão natural que a gente só percebe a estranheza delas muito tempo depois de acontecidas... Por esses dias fui surpreendido por um desses discernimentos atrasados da realidade. Sem que eu desse por mim, minha alma estava sendo lentamente envolvida – quase escrevi devorada - por um simulacro da realidade. Um arremedo de paixão, dessas absurdas mesmo - dessas de fazer rir, ou apavorar, qualquer pessoa minimamente sensata -, pouco a pouco foi se instalando perigosamente em meu coração, ocupando os espaços vazios - que são muitos – sabotando a realidade e tornando-se o núcleo psicológico em torno do qual - como um ponto de gravidade que atrai tudo para si – foram se agrupando outras tantas ilusões, surgidas não sei de que abismos do meu inconsciente, com o único objetivo nefasto de provar a mim mesmo, que ela - a ilusão -, era a minha única e verdadeira realidade confiável. O fato - lamentável fato – é que, quando dei por mim, já estava emaranhado nessa ilusão até os ossos. Não, não era ruim... Tinha gosto bom, mas é claro, não era gosto de coisa natural, embora parecesse... Mas, que eu me lembre, na época do ocorrido, jamais parei sequer um minuto para pensar nisso, tão envolvido estava. Mas, que fique dito, era bom... Ela, claro - desnecessário dizer – era linda... Deve ter sido por isso que eu perdi o chão... Por qual outro motivo afinal eu perderia o chão? Que eu me recorde, não havia mais nada de encantador nela, além da beleza. Sim, ela era - do começo ao fim - somente beleza... Ah, sim... Agora me recordo... Havia também na beleza dela, algo de primitivo, rústico, arquetípico, exótico mesmo, e isso, é fora de qualquer dúvida, conta muito na hora da gente “decidir” se deixar levar pelos mistérios da beleza alheia... Porque nela, creia-me, é certo que o que me levou às fronteiras da loucura foi apenas a beleza, que fique dito, e nada mais... Ou, ou... Mas enfim, hoje, quando penso nela, o que não é raro, uma associação imediata com um anjo caído se dá em minha mente... Por certo que ela possuía a beleza de um anjo... Mas é fato que não era um anjo, nem caído, nem em pé... Era somente uma dessas pessoas difíceis de explicar, e lidar... Mas era linda... Ou pelo menos na época me pareceu ser, mas posso estar - e é quase certo que estou - enganado sobre isso também. Mas não convém julgar o passado pela luz do agora, até porque toda luz de julgamento é quase sempre fosca, se não sombria... Fica, pois, dito, que ela era linda... E, claro, beleza é tudo quando se trata de iludir e se deixar iludir... Fiquei deslumbrado. Durante muito tempo pensei estar a sonhar... E não estava? Alguma coisa em mim insiste em dizer que sim, embora eu não concorde... Mas eis então que - coisa estranha - de repente acordei, e ficou em mim a certeza de que tudo não passou de um horrível pesadelo... Um gosto ruim que, evidente, não chega para me levar à náusea, ainda permanece em minha boca... Confesso que é estranho acordar assim, abruptamente no meio da realidade... A gente fica como que possuído por um desesperador sentimento de solidão e desamparo. Mas já foi dito que o ser humano é ser que se acostuma com tudo. Ora, se pode se acostumar com a ilusão - e com a desilusão (é só olhar para o lado para ver isso), pode também se acostumar com a dor da realidade, acho... Se assim for – porque se não for... -, talvez eu, qualquer dia, acabe também me acostumando com a realidade, talvez até encontre nela alguma poesia, alguma magia, alguma epifania... Oh, meu Deus! Vê que já estou a sonhar novamente? De fato me pergunto se estou acordado... Não sei dizer com certeza... Agora vejo que a diferença entre o sonho e o pesadelo está em algo muito mais profundo que simplesmente acordar... Ou que acordar é algo um pouco mais complicado e difícil que apenas abrir os olhos de manhã e se levantar, lavar o rosto, tomar café e sair para a lida diária... Mas afinal, o que me resta ainda fazer para escapar desse pesadelo, que, enquanto escrevo isso, sorrateiramente começa novamente a se insinuar ao meu coração como um maravilhoso sonho, mas que na verdade eu bem sei, não passa de um horrível pesadelo?
V.B.Mello.

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