O Espírito de poesia hibernou
A alma perdeu a consistência...
Olho ao redor, tudo perdeu a cor e o
sentido...
Uma pedra é somente uma pedra, e nada
mais...
Uma flor não é mais que uma flor
Todas as coisas perderam a transcendência...
A fonte das palavras secou
E os olhos e os ouvidos
Nas coisas e nas pessoas
Em nada penetram além da aparência
Sem inspiração o poeta agoniza
Torna-se prisioneiro da aparência das
coisas
Como alguém preso do lado de fora do seu
próprio ser
Tem olhos, mas não vê
Tem ouvidos, mas...
A voz do próprio coração
Não ouve...
Nada o alegra
Tudo o aborrece
Sente-se pobre, inútil, pesado,
desesperado...
O peso do vazio é insuportável
Sente que escolheu o caminho errado
Deposita a caneta sobre o caderno...
Lança todos os seus sonhos no fundo de
uma gaveta qualquer
E com eles a sua alma
Enclausura-se... Pensa em desistir
Uma guerra terrível acontece nas
profundezas do seu ser
Seu espírito abandonado pelo Espírito de
poesia...
Estertora e sufoca...
Ele sabe, ansiando nascer, florescer e
frutificar
Mundos estão represados nos recessos do
seu ser
Seu espírito anseia tornar-se verbo,
quer ter para si mesmo
Realidade, consistência, expressão, consciência
e forma...
Mas desabam todos, esvaem-se como
neblina ao nascer do sol
Antes mesmo que as palavras comecem a
serem articuladas...
Derrotado pela impermanência da
inspiração
Ao menos por hoje o poeta desiste de ser
poeta...
Amanhã... Ou depois de amanhã
Talvez – ou talvez nunca mais
Ou qualquer dia ou noite
Nas profundezas solitárias da madrugada
O Espírito de poesia retorne e diga
Com voz suave ou num grito
No fundo do peito inerte e vazio
Haja luz!
E então haverá outra vez
Luz, inspiração, criação e poesia
Ou talvez nunca mais...
V.B.Mello