23 de fevereiro de 2014

Pesadelo...

Foi numa manhã fria de terça-feira
Ainda me lembro bem
Como poderia esquecer?
Certas coisas se apoderam 
Da alma da gente


Um sentimento de dissolução
Ao nasce do sol
Invadiu a minha alma
O meu coração disparou
Súbito, acordei
Deus meu! Deus meu!
Mais um poema sem pé nem cabeça
Oh, horror! Estava caindo... Estava rindo


Confesso, por um instante 
Pensou que sonhava
Mas já estava escaldado
Tantas vezes enganado


Pensei que voava
Mas então... Sem aviso
Tropecei e cai
O chão se aproximou
Um estalo e mais outro
Os ossos partiram
A carne se espalhou

E veio a dor do corpo estilhaçado
E a notícia logo se espalhou
O barco da alma naufragou
Os seres da noite gritaram em coro
É madrugada! É madrugada!
Um anjo caiu... E ninguém viu
É madrugada, um anjo caiu...
Mas ninguém escutou o som estridente da sua queda
O sangue escorre para a boca aberta da sarjeta...
Chove lá fora... A cidade inocente ainda dorme
Levadas pelo vento... As folhas das árvores mortas 
Caem sob o chão lamacento... Agonizo


Além da superfície dos sorrisos
Dentro do peito... Tudo está congelado
Parado, esperando com a respiração presa
A respiração presa, fingindo de morto
Esperando qualquer surpresa acontecer 
Mas nada acontece ao amanhecer


A solidão é um mundo sem limites para cair
Quando você tropeça nela... Acidentes do destino
A morte acena e sorri... Mas não quer te levar
Ainda não, ainda não... quer brincar
Brincar de te matar bem devagarinho


Em algum lugar distante... Exitante, vacilante
Uma mãe, que não queria ser mãe
Chora e amaldiçoa o filho que partiu
E o filho, que não queria ser filho
Festeja a mãe que o amaldiçoou


E a v vida segue seu rumo 
Sem direção, na direção do mar
Sem ninguém para amar
Um anjo caiu... E nunca mais se levantou
Lavado à sepultura imatura
Pelas mãos frias da mãe imatura
Direto do útero da mãe 
Para o útero da mãe terra
Nem chegou a ser carne
E já virou pó e comida de verme


Nasce e antes que a mãe lhe desse o seio
Desceu ao ao seio profundo da terra
Cau... Antes do primeiro suspiro


Mil vezes tentei voar sem tropeçar
Mil vezes cai... Mas eis que estou de pé novamente
O dia amanheceu... Antes de escorrer para a sarjeta
O sangue correu violento pelas entranhas do corpo
E ninguém viu... Nem a minha queda, nem o meu levantar
Nem o meu caminhar...  Agora me chamam poeta
Um riso cínico surge, involuntário, entre os meus lábios


Poeta, eu? Não tenho versos
Você não pode ver, nem ouvir
Eu trago um deserto em mim
No mundo, eu não encontrei jardins
Tudo continua com sempre foi
antes de o meu bisavó nascer
O que eu entendo por poesia, eu não sei falar


Não existem cordeiros perdidos
Nestas florestas profundas da alma
Não existem palavras para descrever 
O horror do que não se pode dizer
Acima das densas nuvens dessa solidão
Que nublam o meu coração
Por um instante, breve instante
Soprou uma brisa de ar fresco


Por um instante, a vida foi primavera
Por um instante, tudo foi inocência e infância
Mas eu já estou velho demais 
Para me iludir com sorrisos de esperança


Meus últimos instantes, não quero perder com sorrisos
Outras realidades, no instante derradeiro, se abrem para mim
Não vejo tuneis de luz... Não vejo seres de luz
Não sinto meu corpo flutuar no espaço
Isso não é uma experiencia de EQM


Mesmo assim, o sol raiou nas profundas entranhas da m’alma
E tudo foi tão breve... Como breve deve ser a morte
Os meus mortos ressuscitaram e me sorriram
Deliro... São tantas as noites sem dormir
Quem me dera se dia jamais amanhecesse em outro lugar
E a noite fosse para sempre, para outro lugar


Passos curiosos caminham em torno do corpo 
Que um dia já foi meu... Estou em paz na minha solidão
No último instante retornei às origens de mim mesmo
Perambulando descalço pela pobre cidade onde nasci
Incapaz de imaginar o futuro que me aguardava
Nas bolhas de sangue coagulado que escore pela sarjeta
Eu vejo o fantasma de um menino inocente
Feliz e de pés descalços
Que levado pelo destino, vaga sem destino certo
Pobre Adão, brincando sozinho
Pelas trilhas floridas do seu Jardim de ilusões infantis
Amanhã, antes de o sol raiar
Vencida a inocência desdestes primeiros anos de ilusão
Os pés afundados na lama da existência
Curvado sob o peso da decepção dos anos
E dos enganos... Sem amigos
Sem sorrisos, sem esperanças...
Sem fé e sem amores
Sobrecarregado de temores
Imerso na sua solidão
Pobre Adão... Tudo lhe será deserto


Foge Adão! Foge! Foge logo desse jardim
Entes que seja expulso e proibido de voltar
Pobre menino, a noite, na sua inocência
Ainda tem aparência de dia
Mas a escuridão, ele não sabe
Já bate à porta da sua alma
Foge Adão! Foge!
Oh, horror!
Tarde demais
Tarde demais!
Amanhã, antes de o dia clarear, um anjo cairá
A escuridão da noite... A última respiração
Uma golfada de sangue... Um derradeiro movimento
Largado sob o cimento frio da calçada
Trinta andares acima dele
Não sente mais a dor da queda sem fim


O germe de uma perfeita solidão
Fluindo nas entranhas inocentes do seu ser
Já se deitou sobre a alma de Adão...
Copulam agora eternidade afora...
Então, súbito, um grito medonho enche o ar
Acordo, e custo a reconhecer o lugar onde estou
Acendo a luz... Minhas mãos tremem
Tomo um copo d’agua... Apago a luz
Deito... Cubro a cabeça
E durmo um sono revigorante
Há, entretanto, um sentimento de inadequação 
Ameaçadoramente pairando no ar...
VBMello

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