6 de abril de 2016

Sem rumo...











Há tanta tristeza no ar
Tanto mal-estar
Escapa-nos, todavia
A causa de tanta dor
Sofremos, e isso é tudo
Sofremos por hábito
Sofremos sem fazer perguntas
Nossos pais nos iniciaram nessa via dolorosa
*
Sob a sombra de uma árvore
Em profunda luta interior
Alguém gritou um dogma: Viver é sofrer!
Aconteceu um parto
Mais uma gravidez chegou ao fim
Nasceu mais uma religião
Começou mais uma escravidão
Declinou ainda um pouco mais, a razão
Sob o sol e sob a chuva, estômagos roncando
A terra chorando, multidões de proscritos 
Famintos de pão espiritual, vagam em procissões
Rumam incertos para o deserto
Convertidos ao dogma da dor
Devotos de mais um ídolo, infiéis da razão
Trocando os pés pelas mãos
Sofrendo e fazendo sofrer...
Param diante de um monte
E no monte há uma cruz
E na cruz alguém grita: Eli, eli, lamá sabactani
E a terra estremeceu, e até a luz escurece
Cristo morreu... Era para ser um dia de salvação

*
Mas a esperteza viu na salvação
Uma oportunidade de negociar a eternidade
Uma nova religião para um velho império
E a nova religião e o mundo
Somando a dor com a ilusão
Roubando o tempo, criando templos
Comendo a carne e chupando os ossos
Prometendo a eternidade a velhos na idade
E meninos e crianças no coração
Multiplicando crenças e cobiças
Assinaram embaixo e disseram: 
Assim é, assim sempre foi - Viver é sofrer!
*
Mas há um verme dentro de nós
Uma coisa terrível... 
Uma incredulidade
Um mal-estar
Um arrependimento vago
Um monstro faminto de vida
Que rói, corrói e tempera com fel
Os nossos sonhos e as nossas ideias
Uma rebeldia domada 
Um grito de guerra, um dedo em riste
Contra toda forma de dominação
*
Diante desses deuses inventados
Esses ídolos esculpidos no coração e nos rins
Renascem sempre as mesmas perguntas mortas
E revive o velho grito entalado na garganta
Nós sabemos, nós pressentimos... Sim! Nós sabemos
Nesses bancos vazios e louvores decorados
Há um tédio que nos contempla e zomba
*
Fugimos, diante desses deuses inventados
A fé, a nossa fé, agoniza e morre
Como uma semente que não germina
Em cada palavra dita, repreendida
Pelas maldições de mais um culto sagrado
Ameaça uma blasfêmia escapar
Mas há um medo que desconfia 
E nos faz calar e pensar
Que a vida que agora vivemos
Poderia ser outra vida melhor
Se alguém nos levasse de volta
Até o antigo Gólgota...
*
Fartos de Sinai, amante de Agar
Pisoteados e sedentos de alguma verdade
Onde ninguém vê, sabe ou sente
No meio da noite insone
Um incêndio e um verme corrói a nossa fé
Uma voz grita, mas ninguém acredita
Voltem ao Gólgota! Há uma só porta
Há um só caminho, uma só verdade
Mas depois de meio século 
Esperando uma voz do céu
Ninguém quer mais saber
Ninguém quer ouvir
E todos nós, sem exceção, morremos
Antes de encontrar a saída...
*
Porque– oh, horror! – a nossa alma
Sim, a nossa alma – nós – sim, nós...
Cegos e surdos dos caminhos da vida
Nós, pobres miseráveis... querendo, ou não
Sem pensar, só porque leu num livro
Só porque escutou alguém falar
Cega e surda, acredita em tudo que ouve 
E também – ao invés de tomar o caminho da Verdade
Por pura incapacidade de calar
Se põe a falar, novo convertido
Ministro de coisa alguma, religioso, místico
Missionário de mais uma estupidez
Propagador dos mesmos enganos, engôdos e venenos
*
E nós, os fornicadores das dores da vida
Nós que nunca viramos a cara
Diante da nudez do corpo e da alma
Nós, insistentes errantes da existência 
Nós, que esquecemos tudo
E não aprendemos mais nada
Paramos diante da porta desse abismo
E a nossa alma, acostumada a sofrer
Não estremece mais... perdeu o medo do fogo
Tornou-se também, incendiaria dessa ilusão
Perdeu-se dos caminhos da vida
Renegada pelo pai e pela mãe
Zombada e odiada pelos irmãos
Encolheu-se num canto, em oração
*
Ah, a nossa alma, nossa alma... 
A nossa pobre e miserável alma...
De tanto sofrer, de tanto morrer e renascer
De tanto ouvir não, do céu da terra e do coração
Foi condicionada a pensar – cheia de revolta
Diante de tantos descaminhos e caminhos sem volta
Que a conversão a essa morte, é a única saída... 
Desse beco sem saída, a vida
_VBMello


















5 de abril de 2016

Poema sem poesia...
















Sonhos, ilusões e desilusões
As dores e as tragédias da existência
A dor do viver... a agonia do morrer
Os dias que nasceram tarde
As manhãs que nunca amanheceram
Dias que se amontoam sem princípio, meio ou fim
Vida sem nexo nem sexo... existência virtual
Eu sou o minotauro do meu labirinto
A escuridão da noite do coração
O caminho do vale da morte
Tudo me cerca e me disseca
Sou alma nua... coração profundo
Não são os frutos que me interessam
São as raízes que me fascinam
Prefiro as flores aos frutos... Espinhos, flores e frutos
Você que me lê, entenda... eu não escrevo poesia
Poesia me dá azia... escrevo eu mesmo
Minha escrita é espinho, é flor e é fruto
Empurra abismo abaixo e mostra o caminho do céu
É de noite que Deus me fala
E ao amanhecer o diabo me persegue
Quem sou eu? Nem de corpo nem de alma
Obra de arte não quero ser
Grande é o desencanto que me habita
Nada em mim... é precoce
Nada em mim... é póstumo
Sou uma velha chama que some quando se apaga
Homem de sonhos decepados, eu sou
Homem de alegria irascível, eu sou
Homem/homem... tão somente homem, eu sou
Eu herdei as maldições dos meus antepassados
A covardia do meu pai e os nervos da minha mãe
Criado na solidão, forjado na depressão
O meu espírito é um milagre... que eu não sei explicar
As sombras que vem ao meu encontro... já me encontraram
A dor que eu temo... já me corrói as carnes
A minha fé é uma máscara que esconde uma grande incredulidade
Depois da morte... talvez a vida comece
O leão que eu temo... não me teme, bate à minha porta
O pão que eu como... não me alimenta
Cheio de tudo... tenho fome não sei de que pão
E o inferno, já é agora... e o céu está cada vez mais longe
_VBMello