30 de agosto de 2016

Angústia...

Não é somente decepção, esse sofrimento
Que me corrói os ossos e arrasa o meu coração
É mais uma dor de angústia do que dor de decepção
É a dor de um pássaro velho e doente, preso numa gaiola
A minha respiração é como o lamento de um cão amarrado
Quem a pode suportar? Quem pode me suportar?
Já não suporto mais nada, tornei-me fraco e cansado
Para suportar a infinita dor dos outros
Ao doente, viro a cara... lamento a fraqueza do fraco
Como se fosse – e é – a minha própria fraqueza
A leveza da minha alma, como uma flor que brota da escuridão
Nasce de pesos insuportáveis, que ninguém vê, nem imagina
Já não ouso olhar-me, no espelho... não há mais nada para ver
Daquilo que um dia, eu fui... daquela velha alegria
Resta tão pouco... Estou tão vazio e seco de sorrisos
Das antigas lembranças, não faço caso
Do futuro, não faço caso... da vida, desdenho
Da morte, não tenho medo...
Identifico-me com o nada
Cortantes como cacos de vidros
As palavras me transpassam
Como alguém diante da morte
Contemplo os abismos da minha existência
Que dia é hoje? Que mês? Não quero saber
Em dias assim, a minha alma envelhece mil anos
Vago pelas sarjetas de mim mesmo
O pior de mim, aflora... Não me reconheço
Perco o ritmo das palavras
Me afogo nas profundezas da minha alma
A solidão é tudo que há, absoluta, profunda, silenciosa, mortal
Quem sou que? Que ventre doente, me pariu? Grito...
Quem me amaldiçoou, ainda no berço?
Quem me roubou a sanidade?
E Deus, onde será que está? Em mim? Aqui? Onde?
Sou, nessa casa, nesse mundo, nessa vida, nesse instante
Um cão perdido, um pássaro sem céu, um peixe fora d’água
Um homem revoltado, um coração amargurado...
Há um verme oculto sob o brilho dos meus olhos
Uma raiva, uma ira, uma fera que grita declarações de guerra
Um vulcão prestes a entrar em erupção...
Erupção contida por uma única certeza
Mesmo nesse vale de sombra e morte, tudo passa
E não há escuridão, nem coisa alguma, que dure para sempre
Hoje, as trevas... Amanhã, a luz
Hoje, as lágrimas... Amanhã, a alegria...
_VBMello



4 de agosto de 2016

Fragmentos de humanidade...

E o mundo, essa vastidão de expectativas
Essa fome insaciavel de vida
Que herdamos dos nossos pais
Esse sistema incerto e impermanente
Que agora jaz no Maligno
Essa casa velha e sombria
Cheia de rachaduras, goteiras
E móveis quebrados e mofados
É a prova hereditária 
Da nossa estupidez humana
A marca mais visível e feia
Do nosso caráter
O sinal mais evidente
Da nossa personalidade
O reflexo fosco do nosso semblante
O selo da nossa decadência...

Largados sob a lua vermelha 
Dos dias de inverno
Prescentimos e deduzimos
Nas entranhas da nossa alma
Como um verme carnívoro
Que tudo rói e tudo devora  
Um abismo de trevas
Dormindo um sono leve...

Nas profundezas da nossa alma
Há uma guerra em andamento...


Dos nossos pais, não herdamos
Olhos límpidos, nem alma profunda
Herdamos restos de mundo
Ódios, cobiças, medos
Atrofias do espírito 
Ansiedades e vazios de alma
Fragmentos de humanidade
Promessas de insanidade
Herdamos céus de aço 
E chão de ferro
Coração duro e vazio 
De paz e esperança
Terra seca e improdutiva
Para os doces frutos do amor
A nossa luta, a nossa labuta
É não perder a alma
É aprender a arte de amar
Talvez encontrar uma chama
De graça e poesia
No meio do caos da nossa herança...

_VBMello