1 de agosto de 2017

A mesma sina...

Os mesmo ares antigos
Os mesmos perigos
As mesmas repetições
As mesmas condenações
Outra história que se repete
A mesma sina
Renegado
Sem pedir
Sem desejar
Acidentalmente
Miseravelmente
Desgraçadamente
Nascer, sofrer e fazer sofrer
Sozinho na corda bamba
Sem peito nem colo
Sem afago ou carinho
Sem abraços e sem olhares
Estranho e sozinho no mundo
Imundo, descartável, desnecessário
Sem querer, num de repente
Sair de casa... Livre
Cheio de fome
Apaixonar, amar e desesperar
Trabalhar, vagabundar
Decepcionar, fugir e correr
Fazer de conta que é alguém
Conhecer o mundo
Conhecer tudo
Correr perigo
Tropeçar, cair
Sem querer, sofrer
Vergonha, humilhação
Voltar para casa
Morrer, ficar surdo
Ficar mudo
Perder a esperança
Comer o pão que o diabo amassou
Apavorado, viver de solidão
Sofrer, sofrer... Perder tudo
Sonhar para outro realizar
Lutar contra o demônio
O coração disparado
O sangue coagulado nas artérias
Soldado de mil guerras perdidas
Cair de joelhos diante de Deus
Dar murro em ponta de faca
Insistir até perder o sono
Gritar, chorar, explodir
Perder a fé
Perder a esperança
Perder a cabeça
Perder a alma
Perder a calma
Andar em círculos
Acreditar em milagres
Não acreditar em nada
Desconfiar de tudo
Perder a fala
Perder o equilíbrio
Sem nada para falar
Perder o tino
Viver no desatino
Nunca dizer não ao destino
Fazer planos definitivos
Meu Deus, o que será de mim?
Qualquer dia, no mar
No fundo do mar
Bem longe daqui
Onde ninguém vê ou sabe
Mergulhar, sumir, sumir
Perecer, desaparecer
Para nunca mais
Voltar para casa
Sem olhar para trás
Sem levar saudade
Sem deixar saudade
Esquecer tudo
Esquecer todos
Parar de respirar
Desocupar o coração
Lavar as mãos
Esfriar a cabeça
Pouco me importa
Conheço o meu lugar
Estou acostumado
É a minha sina
Morrer para renascer
Longe, bem longe, muito longe
Vagar por outros destinos
Conhecer – longe daqui
Outras realidades
Navegar outros mares
Respirar outros ares
Caminhar – sozinho
Na direção de outros horizontes
Quebrar o espelho, romper o fio de prata
Num piscar de olhos, sem avisar
Quando ninguém estiver olhando
Passar para o outro lado
E olhar Deus e o diabo - face a face...
_VBMello

15 de julho de 2017

Face a face

Ouvindo os pássaros do céu
Aprendendo com os lírios do campo
Sozinho, trilhando o meu caminho
Estive pensando no amanhã
Sonhando com a outra vida
Abrindo a minha alma
Contemplando a imensidão do céu
Examinando o meu coração


A minha vida é profunda e terrível
São tantas feridas..., tantas cicatrizes
Tantos desencontros para superar
Tanta escuridão para iluminar
No corpo, na alma e no espirito
Há tantas questões inacabadas
E tantas coisas que eu sonho fazer
Há muitas lutas que eu preciso lutar
E apenas uma certeza garantida
É tão fácil cair... É tão difícil levantar
Renascer, sim, dói mais do que morrer


Um fracasso aqui, outro ali
E o mundo deixa de ser
Um lugar tranquilo e agradável
A vida vai passando em branco
E os sorrisos vão diminuído
Até que olhos perdem o brilho
E a vida inteira – como se fosse um destino
Vira uma manhã fria e cinzenta de inverno


O tempo voa enquanto a gente pensa e sonha
Agora eu já não tenho mais todo o tempo do mundo
Seja como for, caminhando para a luz
Abrindo caminhos através da escuridão
Quero seguir sempre em frente
Tentando me manter de pé
Nesse chão escorregadio
Que chamamos de nossa vida
Até descobrir a parada final desse caminho
Onde então, talvez, eu poderei descansar
Sarar e curar todas as minhas feridas
E perdoado, olhar no espelho sem chorar


Quero logo, sem demora, ir embora daqui
Descer logo dessa cruz
Sair desse inferno
Esquecer que um dia
Eu pisei nesse chão
E que esse chão me pisou
Sem levar saudades
Sem deixar saudades
Sem avisar, sem lamentar
Partir para nunca mais voltar
Quero ao menos tentar mais uma vez
Levantar do chão e olhar para o alto
Saber e compreender a razão dessa luta


Quero olhar Deus face a face
Quero colocar as cartas na mesa
Atravessar o abismo e subir ao céu dos céus
Desafogar o peito e chorar o choro preso
Quero cruzar o rio da vida e ver como sou visto


Quero descobrir a parada final desse caminho
Que eu já sei de ouvir falar
Quero ver com meus olhos
Tocar com os meus dedos
Quero ouvir com os meus ouvidos
Se é mentira ou verdade
Tudo que existe do lado de lá


Quero eu mesmo, com os meus olhos
Olhar a face arredia da eternidade
E superar mais uma vez a solidão


Depois da fome e das doenças
Depois do abandono do pai
E da feroz indiferença da mãe
Depois de ter fracassado em tudo
E não ter dado certo em coisa nenhuma
Quero uma palavra gratidão para falar
Quero um cântico para cantar
Um amor para viver
E um poema para escrever
Quero tentar confessar que vivi
Mesmo que não consiga, quero tentar
Antes de partir, quero ver – ainda outra vez
O sol brilhando nas manhãs de primavera
E as ondas do mar da minha juventude
Quebrando suavemente na areia da praia
Quero recordar – como quem vive tudo de novo
O que foi bom, o que valeu a pena e o que me fez sorrir


Quero sair na rua, olhar ao redor e sentir a brisa do amanhecer
Quero sentir pulsando no fundo do peito - a certeza absoluta
De que não é vão que se sonha, espera, crê e vive
Quero a certeza e a garantia
De que nesta vida atribulada
Quem planta, colhe
E só então, me sentirei realizado e satisfeito
Com todas as guerras e batalhas que travei
E orgulhoso de todas as noites escuras
Que atravessei e das feridas que sofri


Sim, meu irmão, meu igual
Todo dia, o tempo todo, sem cessar
E eu já quase não posso resisti-la
A eternidade me estende a mão
Mas eu digo não..., e encolho a mão
Não estou preparado ainda
Há tantas questões inacabadas
Tanta vida para ser vivida


Por enquanto, eu ainda continuo por aqui...
Sorrindo gentilmente para quem me sorri
Para quem me olha de longe
Parecendo feliz
Mas no meu coração, sempre derrotado
Diante da urgência do tempo
Não posso negar, eu sinto o pulsar - sem cessar
De uma voz embargada de choro
Olhos rasos d’água, e uma terrível solidão
Que pergunta: É só isso, a vida? Ou existe nisso tudo
Um sentido maior e desconhecido?


Sim, eu não sou turista de nenhuma espiritualidade
Não cai de paraquedas em nenhuma religião
No chão que me acolhe - eu crio raízes e frutifico
Tudo que eu sei, tem gosto de luta, sangue e suor


... Quanto tempo ainda, meu Deus, quanta luta, quanta ferida
Quanta decepção, quanta solidão, até a resposta definitiva?
Quanto tempo ainda, meu Deus, até ficarmos face a face?

_VBMello