16 de outubro de 2019

“O profeta”

Num ermo, eu de âmago sedento,
Já me arrastava e, frente a mim,
Surgiu com seis asas ao vento,
Na encruzilhada, um serafim;
Ele me abriu, com dedos vagos
Qual sono, os olhos que, pressagos,
Tudo abarcaram com presteza
Que nem olhar de águia surpresa;
Ele tocou-me cada ouvido
E ambos se encheram de alarido:
Ouvi mover-se o firmamento,
Anjos cruzando o céu, rasteiras
Criaturas sob o mar e o lento
Crescer, no vale, das videiras.
Junto a meus lábios rasgou minha
Língua arrogante, que não tinha,
Salvo enganar, qualquer intuito
Da boca fria onde, depois,
Com mão sangrenta ele me pôs
Um aguilhão de ofídio arguto.
Vibrando o gládio com porfia,
Tirou-me o coração do peito
E colocou carvão que ardia
Dentro do meu tórax desfeito.
Jazendo eu hirto no deserto,
O Senhor disse-me: “Olho aberto,
De pé, profeta, e com teu verbo,
Cruzando as terras, os oceanos,
Cheio do meu afã soberbo,
Inflama os corações humanos!”.

*
Aleksandr S. Púchkin, “O profeta”. Tradução para o português de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher. In: A dama de espadas: Prosa e poemas. São Paulo: Editora 34, 1999. Citado em "Dostoiévski: um escritor em seu tempo", de Joseph Frank. [Companhia das Letras]

20 de setembro de 2019

Uma vida imperfeita, mas em contínua transformação.

Há mais de dez anos que - todo dia - peço boas palavras a Deus. Sério mesmo, eu me ajoelho e peço a Deus, palavras de vida e não de morte. A minha vida inteira lutei contra palavras de ódio e morte. Você entenderia perfeitamente essa minha necessidade de boas palavras para falar, se soubesse as tempestades, vulcões e terremos (e até coisa pior), que já tive dentro do peito. Todavia, Deus, que está sempre pronto a fazer por nós, muito mais do que imaginamos ou pedimos, em vez de meras palavras, deu-me um novo coração, cativo do Evangelho e cheio do Espírito Santo. A escuridão se iluminou, as tempestades se acalmaram, os terremotos, acredite, não existem mais. No lugar do caos, a criatividade. Agora, todo dia, o dia todo, não tenho mais dificuldades com as palavras. Nem sequer as procuro, apenas abro a boca e falo, e a minha boca fala do que está cheio o meu coração. As palavras simplesmente fluem, transbordam. Tanto, que viraram para mim, um sinal certo da presença da graça de Deus. Quando elas somem, quando ficam agressivas, baixas, feias, sombrias, depressivas, irritadiças e sem paz, sei (imediatamente) que algo em minha conduta entristeceu o Espírito Santo, sei que estou em pecado… Então, procuro um canto sossegado, e recomeço tudo novamente. Ajoelho-me diante de Deus e peço perdão e boas palavras para falar, palavras sem veneno, palavras sem ira, palavras sem rancor, palavras que tocam a alma e fazem bem ao coração… Palavras de vida, palavras cativas do Evangelho de Cristo, no que (imediatamente) sou atendido. Sou grato a Deus, pela vida interior que - todo dia - ele tem me dado. Para mim, que por muito tempo, só conheci o caos e a escuridão interior, isso - essa luz transformadora, que vem do Espírito de Deus - é muita coisa. Louvado seja Deus. Sim, a graça de Deus é um rio de vida e luz - que flui sem cessar, transformando para melhor, tudo que encontra em seu caminho, a saber: nosso coração, nossa alma e nossa mente - a nossa vida toda.
_VBMello