14 de maio de 2013


Pietá...

Anoiteceu...
Abro a porta
O vento entra
Percorre toda a extensão da sala escura e sai pela janela
Deixando após si a pele arrepiada de medo
E um coração angustiado
Pressinto a chegada de algum mal
Sigo-o até a janela
Vejo-o correr e bater em outra porta não muito longe da minha
Incauta
A porta, como se esperasse por ele
Abre-se lentamente com um rangido choroso
O vento entra
Eu queria gritar por socorro
Mas as palavras não me escapam da boca
Depois de um tempo em que o tempo parecia ter parado para sempre
O silêncio da madrugada se enche de gritos, choros e lamentos...
 O vento partiu levando o seu despojo
Nada mais respira
Nem uma brisa para afagar as delicadas flores do jardim
O coração está de luto
O mundo todo aguardava em silêncio
Quando uma mulher saiu pela porta por onde o vento havia entrado
Trás nos braços fracos de fome o corpo morto do seu filho recém-nascido
Corre de porta em porta
Chora
Grita
Desespera-se
E bate pedindo socorro
Mas a noite está calma e serena
E porta alguma se abre
Ninguém acolhe a mãe desesperada
Pobre Pietá
 Que contempla o filho morto em seus braços
Deitado na velha esteira de taboa
Eu tapo os ouvidos com minhas mãozinhas de criança
Não quero ouvir seu choro desesperado
Mas o som do seu choro passa entre meus dedos
Como ferro em brasa me penetra o coração
 Ecoando quarenta anos depois...
E desde então
 Toda vez que o vento sopra eu me lembro de tudo...
Como se fosse ontem.
V.B.Mello.

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