Pietá...
Anoiteceu...
Abro a
porta
O vento
entra
Percorre
toda a extensão da sala escura e sai pela janela
Deixando
após si a pele arrepiada de medo
E um
coração angustiado
Pressinto
a chegada de algum mal
Sigo-o até
a janela
Vejo-o
correr e bater em outra porta não muito longe da minha
Incauta
A porta,
como se esperasse por ele
Abre-se lentamente
com um rangido choroso
O vento
entra
Eu queria
gritar por socorro
Mas as
palavras não me escapam da boca
Depois de
um tempo em que o tempo parecia ter parado para sempre
O silêncio
da madrugada se enche de gritos, choros e lamentos...
O vento partiu levando o seu despojo
Nada mais
respira
Nem uma
brisa para afagar as delicadas flores do jardim
O coração
está de luto
O mundo
todo aguardava em silêncio
Quando uma
mulher saiu pela porta por onde o vento havia entrado
Trás nos
braços fracos de fome o corpo morto do seu filho recém-nascido
Corre de
porta em porta
Chora
Grita
Desespera-se
E bate
pedindo socorro
Mas a
noite está calma e serena
E porta
alguma se abre
Ninguém
acolhe a mãe desesperada
Pobre Pietá
Que contempla o filho morto em seus braços
Deitado na
velha esteira de taboa
Eu tapo os
ouvidos com minhas mãozinhas de criança
Não quero
ouvir seu choro desesperado
Mas o som
do seu choro passa entre meus dedos
Como ferro
em brasa me penetra o coração
Ecoando quarenta anos depois...
E desde
então
Toda vez que o vento sopra eu me lembro de
tudo...
Como se
fosse ontem.
V.B.Mello.
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