21 de junho de 2019

O problema da droga - vazio espiritual

Procuremos examinar um pouco mais de perto este fenômeno. Recordo-me de uma discussão com alguns amigos, em casa de Ernst Bloch. A conversa caíra ocasionalmente no problema da droga, que então - pelo fim dos anos 60 - propriamente começava a surgir. E perguntávamos-nos como se explicava que essa tentação pudesse, de repente, difundir-se tanto, ao passo que, por exemplo na Idade Média, era evidente que não existira. Todos estivemos de acordo em julgar insuficiente a resposta de que, naquele tempo, os países produtores estavam demasiado distantes. Fenômenos como o avanço da droga não se podem explicar a partir de condições extrínsecas desse gênero; derivam de necessidades ou carências mais profundas, das quais vem depois a depender, por sua vez, o modo de enfrentar os problemas concretos da aquisição dos estupefacientes. Propus, então, a tese de que era evidente não existir na Idade Média esse vazio espiritual que se procura vencer com a droga. Por outras palavras: a sede da alma, a sede do coração do Homem encontrava resposta que tornava supérflua a droga. Ainda tenho diante dos olhos a veemente indignação com que a dona da casa reagiu a esta ideia. Baseada na imagem da História elaborada pelo materialismo dialético, parecia-lhe uma autêntica impiedade pensar alguém que épocas passadas pudessem ter sido superiores à nossa em aspetos de alguma importância. Era impossível que, na Idade Média - época de opressão e de preconceitos religiosos -, as massas deserdadas pudessem viver mais felizmente e com maior equilíbrio interior do que no nosso tempo, já tão adiantado no caminho da libertação. Ficaria destruída toda a lógica da "luta de libertação"! Mas, de outra maneira, como explicar esse fenômeno? E, naquela noite, a pergunta ficou no ar. 

Uma vez que não partilho da concepção materialista do mundo, ainda hoje considero válida a minha tese de então. Mas convém, naturalmente, expô-la melhor em concreto. Para tal, o próprio pensamento de Ernst Bloch pode fornecer uma sugestão fecunda. 

Para Bloch, o mundo dos dados de facto - a pura e simples factualidade - é um mundo inteiramente marcado pelo mal. O "princípio-esperança" significa que o Homem contesta energicamente a realidade de facto; o Homem sabe que tem o dever moral de ultrapassar o mundo mau da factualidade, para edificar um mundo melhor. Seguindo, portanto, esta lógica, direi: a droga é uma forma de protesto contra a situação de facto. Quem a toma recusa resignar-se à pura e simples realidade de facto. Está à procura de um mundo melhor. 

O fenômeno da droga é a fuga ao desespero provocado por um mundo que se experimenta como a prisão dos acontecimentos, uma prisão em que o mundo não pode viver para sempre. Decerto que ainda concorrem muitos outros fatores: a sede de aventura, o conformismo que nos leva a fazer o que os outros fazem, a habilidade comercial dos traficantes e dos fornecedores. Mas a explicação última é sempre o protesto contra uma realidade sentida como cárcere. A "grande viagem" que se procura na droga é, pois, a forma pervertida da mística, a perversão da aspiração humana ao Infinito, a recusa da insuperabilidade da imanência e a tentativa de ultrapassar as barreiras da nossa existência em direção ao Infinito. A humilde e paciente aventura da ascese, que, a curtos passos para o alto, se avizinha do Deus que para nós Se inclina, é substituída pelo poder mágico, pela magia reveladora da droga. O itinerário moral e religioso é posto de parte pela aplicação da técnica. A droga é a pseudomística de um mundo que não crê mas que também não pode ignorar a tensão da alma para o Paraíso. 

A droga é, portanto, um indício que nos leva a algo de muito profundo. Não só desvenda o vazio que a nossa sociedade tem em si mesma e não é capaz de colmatar, pelos seus meios, mas ainda chama a atenção para uma exigência íntima do ser humano, que, se não encontra a resposta justa, recorre à pervertida.
- - -
[A Igreja e a nova Europa - Joseph Ratzinger]

Nenhum comentário :