4 de novembro de 2019

Vida de João Calvino - por ele mesmo.


Quando era ainda bem pequeno, meu pai me destinou aos estudos de teologia. Mais tarde, porém, ao ponderar que a profissão jurídica comumente promovia aqueles que saíam em busca de riquezas, tal prospecto o induziu a subitamente mudar seu propósito. E assim aconteceu de eu ser afastado do estudo de filosofia e encaminhado aos estudos da jurisprudência. A essa atividade me diligenciei a aplicar-me com toda fidelidade, em obediência a meu pai; mas Deus, pela secreta orientação de sua providência, finalmente deu uma direção diferente ao meu curso. Inicialmente, visto eu me achar tão obstinadamente devotado às superstições do papado, para que pudesse desvencilhar-me com facilidade de tão profundo abismo de lama, Deus, por um ato súbito de conversão, subjugou e trouxe minha mente a uma disposição suscetível, a qual era mais empedernida em tais matérias do que se poderia esperar de mim naquele primeiro período de minha vida. Tendo assim recebido alguma experiência e conhecimento da verdadeira piedade, imediatamente me senti inflamado de um desejo tão intenso de progredir nesse novo caminho que, embora não tivesse abandonado totalmente os outros estudos, me ocupei deles com menos ardor.

Fiquei totalmente aturdido ao descobrir que antes de haver-se esvaído um ano, todos quantos nutriam algum desejo por uma doutrina mais pura vinham constantemente a mim com o intuito de aprender, embora eu mesmo não passasse ainda de mero neófito e principiante. Possuidor de uma disposição um tanto rude e tímida, o que me levava sempre a amar a solidão e o isolamento, passei, então, a buscar algum canto isolado onde pudesse furtar-me da opinião pública; longe, porém, de poder realizar o objetivo de meus sonhos, todos os meus retraimentos eram como que escolas públicas. Em suma, enquanto meu único e grande objetivo era viver em reclusão, sem ser conhecido, Deus me guiava através de crises e mudanças, de modo a jamais me permitir descansar em lugar algum, até que, a despeito de minha natural disposição, me transformasse em atenção pública. Deixando meu país natal, a França, de fato me refugiei na Alemanha, com o expresso propósito de poder ali desfrutar em algum canto obscuro o repouso que havia sempre desejado, o qual me fora sempre negado.

Mas qual! Enquanto me escondia em Basle, conhecido apenas de umas poucas pessoas, muitos fiéis e santos eram queimados na França; e a notícia dessas mortes em fogueira, tendo alcançado as nações distantes, incitavam a mais forte desaprovação entre uma boa parte dos alemães, cuja indignação acendeu-se contra os autores de tal tirania. A fim de conter tal indignação, fizeram-se circular certos panfletos ímpios e mentirosos, declarando que ninguém era tratado com tal crueldade, exceto os anabatistas e pessoas sediciosas que, por seus perversos desvarios e falsas opiniões, estavam transtornando não só a religião, mas ainda toda a ordem civil. Observando que o objetivo almejado por esses instrumentos do tribunal inquisitorial, através de seus disfarces, era não só que a desgraça do derramamento de tanto sangue inocente ficasse impune sob falsas acusações e calúnias, as quais lançavam contra os santos mártires depois de sua morte, mas também para que pudessem, depois, continuar, sem limites, assassinando os pobres santos sem incitar a compaixão no coração do povo em seu favor, pareceu-me que, a menos que eu lhes fizesse oposição, usando o máximo de minha habilidade, meu silêncio não poderia ser justificado ante a acusação de covardia e traição.

Essa foi a consideração que induziu-me a publicar minha Instituição da Religião Cristã. Meu objetivo era, antes de tudo, provar que tais notícias eram falsas e caluniosas, e assim defender meus irmãos, cuja morte era preciosa aos olhos do Senhor; e meu próximo objetivo visava a que, como as mesmas crueldades poderiam muito em breve ser praticadas contra muitas pessoas infelizes e indefesas, as nações estrangeiras fossem sensibilizadas, pelo menos, com um mínimo de compaixão e solicitude para com elas. Ao ser publicada, ela não era essa obra ampla e bem trabalhada como agora; mas não passava de um pequeno tratado contendo um sumário das principais verdades da religião cristã; e não foi publicada com outro propósito senão para que os homens soubessem qual era a fé defendida por aqueles a quem eu via sendo ignominiosa e perversamente difamados por aqueles celerados e pérfidos aduladores. É evidente que meu objetivo não visava a granjear fama, diante do fato de que imediatamente depois deixei Basle, e particularmente à luz do fato de que ninguém ali sabia que eu era seu autor.

Para qualquer lugar aonde eu fosse, teria me acautelado a fim de ocultar minha identidade como o autor de tal façanha; e resolvera continuar na mesma privacidade e obscuridade, até que, finalmente, William Farel me deteve em Genebra, não propriamente movido por conselho e exortação, e, sim, movido por uma fulminante imprecação, a qual me fez sentir como se Deus pessoalmente, lá do céu, houvera estendido sua poderosa mão sobre mim e me aprisionado.

Como a estrada mais direta para Strasburg, pela qual eu então pretendia passar, estava bloqueada pelas forças armadas, então decidi passar rapidamente por Genebra, permanecendo ali não mais que uma noite. Um pouco antes disso, o papismo havia sido expulso dela pelos esforços daquela excelente pessoa, a quem já me referi, e de Pedro Viret. Todavia, a situação ainda não estava apaziguada, e a cidade se encontrava dividida em facções ímpias e danosas. Então certo indivíduo, que agora se encontrava ignominiosamente em estado de apostasia, e havia bandeado para os papistas, me descobriu e revelou a outros minha identidade.

Nisso, Farel, que ardia com um inusitado zelo pelo avanço do evangelho, imediatamente pôs em ação toda a sua energia a fim de deter-me. E, ao descobrir que meu coração estava completamente devotado aos meus próprios estudos pessoais, para os quais desejava conservar-me livre de quaisquer outras ocupações, e percebendo ele que não lucraria nada com seus rogos, então lançou sobre mim sua imprecação, dizendo que Deus haveria de amaldiçoar meu isolamento e a tranqüilidade dos estudos que eu tanto buscava, caso me esquivasse e recusasse dar minha assistência, quando a necessidade era em extremo premente. 

Sob o impacto de tal imprecação, eu me senti tão abalado de terror, que desisti da viagem que havia começado. Movido, porém, por minha natural solidão e timidez, não me via na obrigação de responsabilizar-me por qualquer ofício particular. Depois disso, tendo já passado quase quatro meses quando, por um lado, os anabatistas começaram a assaltar-nos, e, por outro, um certo apóstata muito perverso, sendo secretamente apoiado pela influência de alguns dos magistrados da cidade, estava em iminência de trazer-nos um bocado de problemas. Ao mesmo tempo, uma sucessão de desavenças sobreveio à cidade, o que de modo singular nos afligiu. Sendo, como eu mesmo reconheço, naturalmente de índole tímida, vacilante e pusilânime, fui arremessado ao encontro desses violentos conflitos como uma porção de meu primeiro treinamento. E ainda que não procurasse estar debaixo deles, todavia não me sentia sustentado por uma grandeza tal de espírito, que me alegrasse além do que poderia, quando, em conseqüência de certos distúrbios, fui banido de Genebra. 

Vendo-me assim em liberdade e isento dos vínculos de minha vocação, resolvi viver num estado de privacidade, livre do peso e das preocupações de qualquer encargo público. Foi quando aquele mui excelente servo de Cristo, Martin Bucer, empregando um gênero similar de censura e protesto ao que Farel recorrera antes, arrastou-me de volta a uma nova situação. Alarmado com o exemplo de Jonas, o qual ele pusera diante de mim, ainda prossegui na obra do ensino. E embora continuasse como sempre fui, evitando por todos os meios a celebridade, todavia fui levado, sem o saber, como que pela força, a comparecer às assembleias imperiais, onde, voluntária ou involuntariamente, fui forçado a aparecer ante os olhos de muitos. Mais tarde, quando o Senhor, revelando compaixão por essa cidade, acalmou as perniciosas agitações e tumultos que prevaleciam nela, e por seu infinito poder destruiu tanto os conselhos dos perversos quanto as tentativas sanguinárias dos perturbadores da república, a necessidade forçou-me a voltar à minha função anterior, contrariando minha aspiração e inclinação. O bem-estar desta Igreja, é verdade, era algo tão íntimo de meu coração, que por sua causa não hesitaria a oferecer minha própria vida; minha timidez, não obstante, sugeriu-me muitas razões para escusar-me uma vez mais de, voluntariamente, tomar sobre meus ombros um fardo tão pesado. Entretanto, finalmente uma solene e conscienciosa consideração para com meu dever prevaleceu e me fez consentir em voltar ao rebanho do qual fora separado. Mas o Senhor é minha melhor testemunha da tristeza, lágrimas, profunda ansiedade e abatimento com que eu fiz isso, e muitas pessoas piedosas teriam desejado ver-me livre de tão deplorável estado, não fosse ele aquilo que eu tanto temia e que me fez dar meu consentimento, antecipando-as e fechando seus lábios. 

Fosse eu narrar os inúmeros conflitos por meio dos quais o Senhor me tem exercitado, desde aquele tempo, e as quantas provações com as quais ele me tem testado, daria uma longa história. Mas para que eu não seja tedioso aos meus leitores com desperdício de palavras, contentar- me-ei com reiterar sucintamente o que toquei de leve um pouco antes, ou seja, que ao considerar todo o curso da vida de Davi, pareceu-me que, por suas próprias pegadas, ele me indicou o caminho, e daí tenho experimentado não pouca consolação. Como aquele rei fora acossado pelos filisteus e outros inimigos estrangeiros com guerras contínuas, enquanto era muito mais gravemente afligido pela malícia e perversidade de alguns homens pérfidos dentre seu próprio povo, no tocante a mim posso dizer que tenho sido assaltado de todos os lados, e raramente tenho desfrutado de repouso por apenas um momento, senão que sempre tive que manter algum conflito com inimigos, quer fora quer dentro da Igreja. Satanás tem feito incontáveis tentativas para destruir a textura desta Igreja; e uma vez ele alcançou tal empresa, tanto que eu, demasiadamente débil e timorato como sou, fui compelido a rechaçá-lo e a pôr um ponto final aos seus mortíferos assaltos, pondo minha vida em risco e expondo minha pessoa às suas bazófias. 

Mais tarde, no espaço de cinco anos, quando alguns libertinos ímpios se viram munidos com indevida influência, bem como alguns dentre o vulgo, corrompidos pelas fascinações e perversos discursos de tais pessoas, desejavam obter a liberdade de fazer o que bem quisessem, sem qualquer controle, eu me vi obrigado a batalhar sem cessar para defender e manter a disciplina da Igreja. Para tais personagens religiosos e menosprezadores da doutrina celestial era uma questão de total indiferença se a Igreja se precipitasse em ruína, contanto que obtivessem o que buscavam – o poder de agir como bem quisessem. Muitos, também, acossados pela pobreza e pela fome, e outros impelidos pela insaciável ambição ou avareza, bem como um anseio por lucro desonesto, se tornaram por demais fanáticos, lançando todas as coisas em confusão, os quais escolheram antes envolver a si próprios e a nós numa ruína comum do que permanecer tranquilos vivendo pacífica e honestamente. Ao longo de todo esse extenso período, creio que raramente exista alguma das armas que são forjadas na oficina de Satanás que não fosse empregada por eles com o fim de alcançar seus objetivos. Finalmente, as coisas chegaram a um estado tal que não era possível pôr fim às suas maquinações, de outra forma, senão eliminando-os com uma morte ignominiosa; o que para mim, aliás, era um espetáculo doloroso e deplorável. Sem dúvida, mereciam o mais severo castigo, mas quanto a mim, ao contrário, desejava que vivessem sempre em prosperidade e continuassem incólumes e intocáveis; o que teria sucedido, não fossem eles completamente incorrigíveis, e obstinadamente se recusassem ouvir tão saudável admoestação. 

O sofrimento desses cinco anos era profundo e difícil de suportar; mas experimentei não menos dilacerante dor provinda da malignidade daqueles que não cessavam de atacar a mim e ao meu ministério com peçonhentas calúnias. Em grande medida, é verdade, são tão cegos pela paixão de caluniar e ferir que, para sua grande desgraça, de imediato denunciam sua impudência; enquanto que outros, não obstante sua astúcia e esperteza, não podem manter-se encobertos ou disfarçar-se por tanto tempo em sua tentativa de escaparem de ser vergonhosamente desmascarados e humilhados. Todavia, quando alguém, uma centena de vezes, é encontrado inocente de uma acusação assacada contra si, e quando a acusação é uma vez mais reiterada sem qualquer causa ou razão, tal coisa é uma indignidade por demais difícil de suportar. 

Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do pecado. Essa é uma calúnia tão estúpida, que num piscar de olhos se desfaria em nada, se tais pessoas não sofressem de coceira nos ouvidos e não sentissem profundo prazer em nutrir-se com tais discursos. Mas há muitos outros cujas mentes se encontram tão entulhadas de inveja e mau humor, de ingratidão e malignidade, que não há falsidade, ainda a mais absurda, sim, ainda a mais monstruosa, que não recebam assim que lhes chega aos ouvidos. Outros tudo fazem para destruir o eterno propósito divino da predestinação, pelo qual Deus distingue entre os réprobos e os eleitos; outros tomam sobre si o encargo de defender o livre-arbítrio; e, com muita disposição, muitos se precipitam em suas fileiras, não tanto movidos de ignorância, movidos, porém, de um fanatismo perverso o qual não há como descrever. Se os que me causam tais sofrimentos porventura fossem inimigos francos e confessos, a situação poderia de alguma forma ser suportável. Visto, porém, que os que se escondem sob o nome de irmãos, e não só comemo sacro pão de Cristo, mas ainda o administram a outrem, e visto que, em suma, blasonam em alto e bom som ser pregadores do evangelho, movendo guerras tão nefandas contra mim, quão detestável se torna! Em tal matéria, posso com muita razão fazer coro à queixa de Davi: “Até meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o calcanhar” [Sl 41.9]. “Com efeito, não é inimigo que me afronta; se o fosse, eu o suportaria; nem é o que me odeia quem se exalta contra mim, pois dele eu me esconderia; mas és tu, homem meu igual, meu companheiro e meu íntimo amigo” [Sl 55.12-14]. 

Outros fazem circular notícias ridículas a respeito dos meus tesouros; outros, da extravagante autoridade e imensurável influência que, dizem eles, eu possuo; outros falam de minha mesa farta e de minha magnificência. Mas quando um homem vive contente com o alimento frugal e uma vestimenta vulgar, e não requer dos mais humildes mais frugalidade do que ele mesmo revela e pratica, dir-se-á que tal pessoa é em demasia suntuosa e que vive em exagerado requinte de estilo? Quanto ao poder e influência de que me invejam, quisera desvencilhar- me de tal fardo que puseram sobre mim; pois avaliam meu poder pelo acúmulo de afazeres e pelo imenso peso de trabalhos com que fui sobrecarregado. E se há alguns a quem não posso, enquanto viver, persuadir de que não sou rico, minha morte finalmente o provará. Confesso, deveras, que não sou pobre; pois não desejo nada mais além daquilo que possuo. 

Todas essas estórias não passam de invencionices, e não existe qualquer realidade em nenhuma delas. Muitos, porém, são facilmente persuadidos por sua plausibilidade e as aplaudem. E a razão consiste no fato de que a maioria julga que os únicos meios de disfarçar sua hediondez é lançando todas as coisas em desordem e confundindo preto com branco; e acreditam que o melhor e mais curto caminho pelo qual podem obter plena liberdade, para que vivam impunemente e como bem lhes apraz, é destruindo a autoridade dos servos de Cristo. 

Além de tudo isso, há aqueles de quem Davi se queixava – “como vis bufões em festim” [Sl 35.16]. E o que tenho em mente não é apenas os tipos ‘lambedores de pratos’, que buscam algum alimento para encher seu ventre,[13] mas todos aqueles que, por meio de falsas notícias, buscam obter os favores dos grandes. Vivendo por longo tempo acostumado a deglutir erros como esses, confesso que me tornei quase empedernido; todavia, quando a insolência de tais indivíduos aumenta, às vezes outra coisa não faço senão sentir meu coração ferido por dilacerantes pontadas. Não era suficiente que eu fosse tratado de forma tão desumana pelo meu próximo. Além disso, num país distante, para os lados do oceano gelado, como eu não sei, suscitou-se um tumulto, promovido pelo frenesi de uns poucos, os quais mais tarde sublevaram contra mim uma vasta multidão dos que vivem no ócio e não têm o que fazer, exceto embaraçar os passos daqueles que estão labutando para a edificação da Igreja. 

Estou ainda falando dos inimigos internos da Igreja – daqueles que, gabando-se vigorosamente do evangelho de Cristo, não obstante se investem contra mim com mais impetuosidade do que contra os confessos adversários da Igreja, só porque não abraço suas noções grosseiras e fictícias concernentes à maneira carnal de comer a Cristo no sacramento; e de quem posso protestar, segundo o exemplo de Davi: “Sou pela paz; quando, porém, eu falo, eles teimam pela guerra” [Sl 120.7]. Além do mais, a cruel ingratidão de todos eles se manifesta no seguinte: sem escrúpulo atacam pelos flancos e pela retaguarda a um homem que exaustivamente se esforça por manter a mesma causa comum a todos eles, e a quem, portanto, deveriam auxiliar e socorrer. Com toda certeza, se tais pessoas fossem possuidoras de pelo menos um pouquinho de humanidade, a fúria dos papistas que é desferida contra mim, com tão desenfreada violência, apaziguariam a animosidade tão implacável que mantêm em relação a mim. 

Visto, porém, que a condição de Davi era tal que, embora merecesse o bem por parte de seu próprio povo, ele era, não obstante, amargamente odiado sem causa por muitos, como ele mesmo se queixa no Salmo 69.4: “por isso tenho que restituir o que não furtei” – o que me transmitia não pouca consolação, ao ser injustamente atacado pelo ódio daqueles que deveriam me prestar assistência e confortar-me, ao conformar-me ao exemplo de tão grande e tão excelente personagem.Tal conhecimento e experiência me têm sido de grande valia, capacitando-me a entender os Salmos, de modo que, em minhas meditações sobre eles, não perambulei, por assim dizer, por regiões ignotas. 

Meus leitores, também, se não me engano, observarão que, ao expor as afeições íntimas, tanto de Davi quanto dos demais [escritores], discorro sobre aquelas questões das quais tenho experiências pessoais. Além do mais, visto que tenho labutado fielmente para abrir este tesouro a todo o povo de Deus, ainda que o que tenho feito não tenha correspondido aos meus desejos, no entanto a tentativa que tenho empreendido merece ser recebida com certa medida de simpatia. Entretanto, apenas solicito que cada um julgue meus labores com justiça e candura, segundo os benefícios e frutos que deles advierem. Certamente, como disse anteriormente, quando alguém ler estes comentários, verá claramente que não busquei ser agradável, a menos que eles, ao mesmo tempo, sejam proveitosos a outrem. 

Portanto, não tenho só observado do começo ao fim um estilo simples de ensinar, mas, a fim de ser afastado ao máximo de toda e qualquer ostentação, tenho também, geralmente, evitado refutar as opiniões de outros, ainda que tal coisa apresentasse uma oportunidade muito favorável para plausível exibição e arrancar os aplausos daqueles que saborearão meu livro com detida reflexão. Jamais toco em opiniões opostas, a não ser onde houve razão para temer que, guardando silêncio sobre elas, poderia deixar meus leitores em dúvida e perplexidade. Ao mesmo tempo, estou consciente de que teria sido muito mais agradável ao paladar de muitos, se eu tivesse reunido grande acervo de matérias que granjeassem grande fascínio e adquirissem fama para o escritor; mas senti que nada é mais importante do que granjear o respeito que produza a edificação da Igreja. Que o Deus que implantou tal desejo em meu coração conceda, por sua graça, que o êxito seja correspondente!

Genebra, 22 de julho de 1557
João Calvino - Salmos Volume 1 - Série Comentários Bíblicos
Título do Original: Calvin’s Commentaries: Commentary on the book of Psalms by John Calvin
Edição baseada na tradução inglesa de James Anderson, publicada por Baker Book House, Grand Rapids,
MI, USA, 1998.

Copyright © 2009 Editora Fiel
eBook – Primeira Edição em Português: 2013
Produção de eBook: S2 Books

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária

Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

A versão bíblica utilizada nesta obra é uma variação da tradução feita por João Calvino.
Editora fiel - Caixa Postal 1601.  CEP: 12230-971. São José dos Campos, SP. PABX: (12) 3919-9999

Presidente: James Richard Denham Neto
Coordenação Editorial: Tiago Santos
Editor da Série João Calvino: Franklin Ferreira
Tradução: Valter Graciano Martins
Capa: Edvânio Silva
Diagramação: Wirley Corrêa
Direção de arte: Rick Denham
ISBN: 978-85-8132-053-3

JOÃO CALVINO E A SANTA CEIA DO SENHOR